A grandeza do Brasil

O Brasil não é um país alegre, ou não precisaria do cartaz do Carnaval. Mas é um país feliz – extraordinariamente unido e combativo.

Há rivalidades, lobbies regionais e o folclore das identidades e influências, como em toda a parte. Mas nunca tive notícia de que a população do estado de São Paulo exigisse a independência, para não pagar, por exemplo, a pobreza do Sergipe.

O sentimento nacional fala sempre mais alto – afinal, trata-se de um país talhado por gente de todas as partes do mundo, um país de emigrantes e espoliados, um país que sobreviveu e sobrevive acreditando na força dos seus cidadãos, para lá de todos os limites.

Nas misérias, o Brasil parece-se muito com Portugal – a uma escala infinitamente maior, claro, de dimensões continentais.

Já na grandeza não se parece com nenhum outro país; a grandeza é uma qualidade tão específica e englobante que escapa a qualquer comparação – a sua matéria é a felicidade da criação.

A felicidade tem má imprensa, porque as elites não conseguem cercá-la nem controlá-la: não depende do poder, da influência, nem sequer da riqueza. Assim, tem sido tratada ao longo dos séculos por um exército de inteligentes como uma espécie de elemento decorativo ocasional e 'sentimental' – enquanto a ganância, a inveja e o cortejo de catastróficas práticas humanas contrárias à felicidade seriam elementos 'racionais'.

A fé é, para o melhor e para o pior, a energia transformadora do Brasil.

Por causa da fé religiosa, não se conseguiu ainda criar no país uma lei de interrupção da gravidez que acabe com a desgraça das mulheres pobres (é só dessas que falamos, as outras nunca precisaram de leis para abortar) que perdem a saúde ou mesmo a vida na sequência de abortos clandestinos.

Por causa da fé nas capacidades do ser humano, nascem fenómenos populares – e populistas – como Lula da Silva ou, agora, Marina Silva. Qualquer Silva pode chegar a Presidente do Brasil – incluindo as Silvas mulheres.

O impacto destes candidatos na sempre frágil História da Democracia é marcante. Escreve Caetano Veloso: “Chorei na cabine no momento Lula (havia toda a simbologia da chegada dele à presidência e demasiadas complexidades em minha vida). Senti felicidade ao votar em Marina em 2010: saber que contribuía para fazer forte a marca de sua presença no imaginário nacional!…”.

No entanto, como se viu com Lula, uma andorinha não faz a Primavera, há que contar com águias e abutres…  e com os eternos interesses das igrejas do céu e da terra, tanto mais fortes quanto maiores as desigualdades sociais.

Dentro do Brasil político e pragmático cresce um Brasil criativo e sonhador.

O país de Guimarães Rosa, Machado de Assis, Clarice Lispector, Villa Lobos, Glauber Rocha, Tom Jobim, Vinicius, Caetano, Chico, Bethânia e tantos, tantos outros.

As livrarias reproduzem-se, os eventos literários sucedem-se: a Bienal Internacional do Livro de São Paulo teve este ano 720 mil visitantes e uma programação cultural extensa, com sessões espalhadas por todo o estado.

Em Araraquara, a 300 km de São Paulo, numa tarde de sábado de calor tropical, estudantes universitários e simples leitores reúnem-se em torno dos livros de um brasileiro, um guineense e uma portuguesa.

Regresso sempre do Brasil com a sensação de que o poder da verdade vencerá, e tudo acabará por dar certo. 

inespedrosa.sol@gmail.com