Seremos assim tão pequeninos?

Um dos aspectos mais intrigantes d’Os Lusíadas continua a ser para mim a apologia da aurea mediocritas – a mediania dourada – feita por Camões. Aparentemente, o poeta terá vivido uma vida de excessos e de extremos. Geográficos, sociais, emocionais: viajou entre o país mais ocidental da Europa e o Extremo Oriente (Macau); nasceu fidalgo…

Os portugueses consideram-se um 'povo de brandos costumes', pacífico e moderado. E em geral, assim é. Mas creio que há pelo menos um aspecto particular em que herdámos a atracção de Camões pelos extremos: quando falamos de nós próprios.

Na hora de nos olharmos ao espelho, dificilmente somos capazes do meio-termo. Sofremos de uma insegurança congénita que ora exagera os nossos méritos, ora nos rebaixa. Tudo menos encararmos a realidade de frente. Vejamos um exemplo: no dia do primeiro desafio da Selecção Nacional no Mundial do Brasil, um dos principais jornais desportivos trazia em grandes parangonas na primeira página: 'Ronaldo no centro do Universo'. Era como se o mundo fosse já demasiado pequeno para tão grande personalidade e todo o Cosmos se vergasse ao seu talento. Antes de termos feito um jogo que fosse, havia quem falasse na conquista do título de campeões do mundo.

Infelizmente para os adeptos nacionais, os alemães não se compadeceram com o prestígio interplanetário do 'CR 7' e o desfecho foi o que se viu: uma pesada derrota por 4-0…

Estes acessos de megalomania e de vaidade despropositada não são raros. Mas também existe uma tendência inversa (e igualmente difundida) para a auto-depreciação. Há dias liguei a televisão e deparei-me com uma conhecida actriz a dizer: “O português é mesquinho. É mesmo pequenino”. Embora ela tenha continuado durante largos minutos a desfiar os defeitos e pecados dos portugueses com uma espécie de prazer mórbido, eu não fiquei convencido.

A megalomania e o bota-abaixismo constituem dois dos mais populares desportos nacionais – e, porventura, as duas faces da mesma moeda. Creio, no entanto, que há aqui uma nuance importante. Quem diz que somos 'os melhores do mundo e do universo', assume que faz parte da festa. Que estamos todos no mesmo barco. Mas quando alguém diz que somos “mesquinhos” e “pequeninos” é porque se põe de fora. Coloca-se num patamar mais elevado, a partir de onde tem uma perspectiva privilegiada sobre a mediocridade… dos outros, naturalmente.

Seremos assim tão pequeninos? Caramba, podemos não ter a fibra dos heróis d'Os Lusíadas, mas ainda assim não somos insignificantes. Tinha muita razão Camões quando defendeu a aurea mediocritas: a virtude está no centro. Por vezes o bom senso vale ouro. Tal e qual como o silêncio. 

jose.c.saraiva@sol.pt