As reformas e a imprensa

Muito se tem escrito sobre a dificuldade de encetar reformas em democracia. A razão é simples: as reformas  perturbam equilíbrios antigos, afectam hábitos arreigados, põem em causa interesses há muito estabelecidos. Pense-se, por exemplo, na reforma do mapa judiciário, no encerramento de maternidades, de escolas, ou  de cursos do ensino superior, na reestruturação de empresas…

O que é comum a todos os sectores que sofrem impacto imediato negativo das reformas é que constituem grupos bem definidos, mais ou menos homogéneos e pertencentes alguma espécie de establishment. Estas características fazem com que sejam facilmente mobilizáveis e organizáveis para falarem a uma só voz, que é, como é natural, uma voz de protesto contra as reformas. Ao invés, os potenciais beneficiários das reformas são anonimamente descritos como o interesse público ou as gerações vindouras.  O que caracteriza estes potenciais beneficiários é que não tem voz nem, muitas vezes, votos. Estão pois sub representados perante os poderes fáticos das democracias.

É nesta questão de ter ou não ter voz que entra o papel da imprensa. Três exemplos ilustram o que tenho em mente. Quando o então ministro da saúde Correia de Campos decidiu encerrar maternidades, todos os dias apareciam imagens de televisão mostrando partos em ambulâncias ou parturientes a fugirem para Badajoz. Abortada a reforma, nem mais uma criança viu a luz em tão precária situação. O segundo exemplo são as falhas mecânicas em voos da TAP. Nos últimos dois meses qualquer falha – grande ou  pequena, relevante ou imaterial, excepcional ou usual – tem honras de primeira página.  Veremos se esta epidemia não acaba quando o conflito laboral com os pilotos ficar resolvido. Finalmente, os tribunais a funcionarem em contentores e as falhas do sistema informático que, a crer nas notícias, estão a privar muitos cidadãos do seu elementar direito do acesso à justiça. Nuns casos a imprensa retira de contexto os custos inevitáveis do ajustamento a qualquer reforma. Noutros, age por preconceito ou por desejo de se mostrar independente. Noutros ainda, cede ao espectáculo e à necessidade de vender. Qualquer que seja a razão, ao fazê-lo torna-se uma caixa de ressonância de todos os interesses estabelecidos, por muito egoístas que sejam, e um aliado útil na oposição a qualquer reforma.

A liberdade de imprensa é um valor tão importante como o dos governos eleitos governarem. Mas a liberdade traz consigo responsabilidade de procurar não ser manipulado para, assim, não manipular.