Do smartwatch ao relógio de corda

Teria uns cinco ou seis anos quando recebi o meu primeiro relógio de pulso, um pequeno Timex digital que o meu pai trouxe de uma viagem aos Estados Unidos. Naquela altura, esses relógios de plástico deviam estar à venda em Nova Iorque por meia dúzia de dólares, mas para mim aquele era um objecto precioso…

É provável que tenha vindo daí o meu ulterior fascínio por relógios. Coleccionei-os ao longo de anos, e dos mais diversos tipos: desde imitações 'roscofe' a mecanismos suíços relativamente dispendiosos; Casio digitais; Swatch clássicos ou folclóricos; um relógio de bolso em prata que me foi oferecido pela minha avô paterna e que era posto em movimento por uma pequena chave; ou um de corda que herdei do pai da minha mãe. Por alto, consigo recordar-me de uns vinte modelos diferentes. É curioso e algo assustador pensar que se juntasse os minutos que transcorreram em todos eles devia obter o tempo de várias vidas humanas.

Esta larga experiência com relógios permite-me dizer que os mais caros não são necessariamente os melhores ou mais precisos. O modelo mais valioso que alguma vez possuí – um bonito Omega automático que me enchia de orgulho – deu-me tantos problemas que tive de o trocar por um simples Casio digital. Este, apesar de custar menos de um décimo do preço, sempre funcionou impecavelmente.

Há poucos dias foi apresentado o último grito desta indústria, o Apple Watch. O aparelhinho permite partilhar “emojis animados e até o batimento cardíaco”, revela um jornal. Desconheço o que sejam emojis – pelo que deduzo que não me fazem falta nenhuma – e quanto aos batimentos cardíacos alheios, creio que também posso viver bem sem eles… A grande novidade, porém, é que este relógio também faz pagamentos. Mas algo me diz que continuará a ser mais simples pagar com dinheiro ou cartão de crédito.

Pelo que leio e vou percebendo, a tendência actual é para aproximar os relógios dos smartphones. Isso parece-me um erro. Porquê? Porque tornará estes relógios redundantes, uma espécie de 'telefones de pulso', mas com menos funcionalidades, menos práticos e – diga-se de passagem – mais feios. Ora, se já temos estes aparelhinhos diabólicos – os telemóveis – à mão, a bombardear-nos com notícias, mensagens, emails e notificações do Facebook num ritmo frenético, quereremos essa fonte de ansiedade também no pulso?

Diria que não. Enquanto amante de relógios, uma das características que sempre apreciei neles foi tratarem-se de objectos contemplativos. Ver os ponteiros em movimento muito lento não transmite uma sensação de eternidade, mas de certa forma desacelera a passagem do tempo. Por isso, agora que os smartwatches estão na moda, acho que vou buscar o meu velho relógio de corda à gaveta. 

jose.c.saraiva@sol.pt