Os prazeres da carne

As modas quando chegam a este cantinho plantado à beira-mar instalam-se com uma força digna das ondas mais altas de Peniche. Podemos levar algum tempo a aderir às novas tendências, mas quando o fazemos é em grande. 

Na gastronomia tivemos uma época em que tudo o que era nouveau et intéressant fazia as delícias dos mais modernaços. Foi preciso os chefes mais aclamados irem à falência para se entrar na ‘onda’ dos produtos nacionais com um toque de ‘autor’. Há pouco tempo apareceram as ‘tascas’ chiques em força. Não há quem não queira abrir um espaço onde os petiscos, com as receitas mais antigas e ‘aprimoradas’, são o ‘máximo’.

Há, de certa forma, um deslumbramento por tudo o que é sinónimo de ‘modernidade’, de quem está por dentro do que de mais avançado se faz. Curiosamente, essa vontade de estar na linha da frente convive lindamente com o lado mais conservador da nossa sociedade. Digamos que, em geral, quer-se ser muito modernaço no que aos costumes diz respeito – gastronómicos, musicais, moda, etc. – mas muito conservador nas convicções mais profundas, reagindo mal às novidades. Só por isso se percebe, por exemplo, que um elevador, no Poço do Borratém, para oCastelo de S. Jorge tenha sido chumbado. Que o Centro Cultural de Belém tenha sido tão atacado e que o campo de golfe das Amoreiras tenha sido ‘riscado’ do mapa. Estes são apenas exemplos da capital, a cidade que gosta de ostentar o símbolo máximo da avant-garde…

Nos últimos tempos outro fenómeno ganha espaço, notando-se uma grande confusão em muitas mentes. Por todo o lado se fala da comida saudável, dos sumos detox e das receitas que nos permitirão viver até aos 150 anos, com alguma boa vontade, é certo. Fala-se dos malefícios da carne e de como é ‘selvagem’ comer-se coelho, frango, vaca, porco ou cabra.

Penso que esta corrente de fundamentalistas não conhece outra realidade que não a das cidades. Quando há uns anos foi decretada a proibição da ‘apanha’ de ovos de gaivotas nas Berlengas, não restou outra saída, pouco tempo depois, a esses mesmos proibicionistas se não matar milhares de aves, devido à ‘epidemia’ criada. O mesmo se passaria se todos deixassem de comer certos tipos de carne. Será assim tão difícil perceber que há uma coisa chamada cadeia alimentar? 

vitor.rainho@sol.pt