Catarina Martins: ‘Moção de Pedro Filipe Soares e Fazenda é um caminho perigoso’

A actual co-líder bloquista diz que os adversários, da UDP, são “a direita” do partido e espera que o Bloco consiga unir-se para fazer oposição a um futuro Governo do PS.

Catarina Martins: ‘Moção de Pedro Filipe Soares e Fazenda é um caminho perigoso’

Pedro Filipe Soares chega à Convenção deste fim-de-semana com mais delegados eleitos do que a sua moção. Sente-se ameaçada?

O resultado da eleição dos delegados está em linha com o que eu esperava. Mas está tudo em aberto. Como tal, não posso temer uma Convenção onde o debate político vai ser importantíssimo para escolhas que considero essenciais para os próximos dois anos do BE.

A direcção não deveria já ter sinalizado abertura para trabalhar com todas as sensibilidades, se vencer?

Nós conversámos sempre e há abertura da parte de quem construiu esta moção. Convém lembrar que na moção onde me encontro estão dirigentes de todas as sensibilidades que fazem o BE, incluindo da UDP. Não é verdade que haja uma moção da UDP, porque há muita gente da UDP que apoia um processo de consenso.

Mas há uma divisão clara entre as correntes fundadoras do BE. Luís Fazenda apoia Pedro Filipe Soares.

Reconheço que houve uma divisão. Temos uma direcção conjunta e houve uma parte muito relevante desta direcção que se quis desvincular por considerar que deveríamos estar divididos. É legítimo, seguramente, mas julgo que não será prudente no actual momento político.

Quem momento é este?

Vamos para umas eleições legislativas, de onde sairá um governo PS ou um governo de Bloco Central. Em qualquer dos casos, será um governo alinhado com o directório europeu e com a política de austeridade. Face a isto, é importante que a esquerda que quer ser alternativa, que quer acabar com a alternância e com o rotativismo, se mantenha unida, a dialogar, para poder ser um pólo credível de oposição. Acho que o BE terá capacidade de unir-se. Sempre teve.

O que acontece ao BE, se a moção de Pedro Filipe Soares vencer?

Estamos todos de acordo sobre a necessidade de romper coma austeridade. Mas o caminho proposto pela moção de Pedro Filipe Soares e de Luís Fazenda é perigoso: porque é o caminho na defensiva, é um recuo, é um Bloco mais ao centro, mais à direita, e um BE a defender os direitos que já estão na Constituição. Isso é importante, mas a acção transformadora de um partido deve ser muito mais do que a efectivação dos direitos conquistados. Além disso, e sendo certo que já tem este centro político mais recuado, tem uma análise política do que deve ser a acção do BE que eu temo que ponha o partido muito isolado. E o BE sozinho não chega.

A intervenção de Francisco Louçã na Convenção será determinante para sinalizar o caminho do BE?

Francisco Louçã é uma referência no BE e tem tido o papel que considera correcto no âmbito da sua militância. O BE decidiu que era preciso renovar os seus dirigentes e ele teve uma posição leal com esta renovação. O BE não é hoje os seus fundadores. Tem que ter outras legitimidades, outras pessoas e outros debates. Recuar e voltar a querer que o BE seja uma questão de domínio deste ou daquele grupo, em vez de consensos entre sensibilidades, é perigoso e afasta o BE da origem.

Fazenda, o líder histórico da UDP, não percebeu isso?

Em 15 anos, o BE sempre teve soluções e caminhos de consenso no mais amplo espectro das sensibilidades que o fazem. Ser fiel às origens do BE é isso. Não queremos um BE com uma direcção em que os grupos se olham por cima do ombro. Queremos um BE na ofensiva e isso é recusar a forma dos equilíbrios dos partidos tradicionais.

A actual direcção vai manter Pedro Filipe Soares na liderança da bancada parlamentar, se for reeleita?

Depois da Convenção, tudo estará em discussão, como é normal, e tudo deve ser decidido pelos órgãos que forem eleitos.

O seu mandato fica marcado pelas saídas de Ana Drago e Daniel Oliveira do BE e por derrotas eleitorais, a última nas europeias. O que a leva a recandidatar-se?

Houve um movimento de pessoas que se juntaram à esquerda com o projecto de condicionar o PS, sem um projecto político autónomo. É neste sentido que aparecem as saídas do BE que referiu. Nós, pelo contrário, consideramos que é preciso lutar para criar um pólo alternativo à esquerda e não para viabilizar um governo do PS de António Costa, que no seu primeiro orçamento vai fazer um corte de três mil milhões de euros porque não reestrutura a dívida e não rejeita o Tratado Orçamental. O BE, neste momento, é a única entidade política que não capitula perante o directório europeu e tem a experiência acumulada para fazer os diálogos necessários para criar esse pólo alternativo à esquerda.

Mas as sondagens dão conta de que o BE perde expressão eleitoral.

É certo que o BE perdeu eleitores. Tenho consciência de que a opção de fazer a luta pensando mais na demissão do Governo do que em cada conquista, a cada momento, fez com que houvesse um refluxo muito grande na crise política de 2013. A luta pela demissão do Governo é importantíssima, mas era preciso ter feito mais, como uma mobilização social mais transversal e permanente. Temos que fazer este caminho.

Em nenhum momento ponderou a demissão da coordenação do BE?

Não. Tenho a convicção de que o BE é um projecto único, na sua diversidade e abertura, e que vai continuar a ser uma força essencial na política do país. 

ricardo.rego@sol.pt