O actual presidente do Conselho da Magistratura de Timor-Leste, Guilhermino da Silva, acusa Xanana de querer afastá-lo e de substitui-lo por si, por ser mais favorável aos interesses do Governo…
Essas acusações são absolutamente facciosas e difamatórias.
Vai avançar com uma queixa ?
Sim, vou agir judicialmente. Há declarações dele e de outras pessoas [a procuradora Glória Alves, que foi expulsa do território], mas estou ainda a analisar os termos desse processo.
É apontado como um dos juízes que Xanana gostaria de ver regressar a Timor. Foi convidado a regressar?
Não recebi nenhum convite do primeiro-ministro para regressar. E mesmo que fosse convidado não aceitaria, porque as razões que me levaram a pedir a demissão de presidente do Supremo Tribunal de Recurso não se alteraram. Timor-Leste precisa de juízes que façam justiça com independência e imparcialidade. E isso não se consegue só com declarações enfáticas sobre a independência dos juízes e dos tribunais. Requer, sim, um trabalho sério e demorado.
Demitiu-se por considerar que a Justiça não era imparcial. Foi pressionado?
Nunca me senti pressionado. O que verifiquei foi que se passavam coisas que punham em causa a imparcialidade e a confiança nos tribunais e nos juízes. Não queria estar à frente dos tribunais sabendo que o que se passava levaria as pessoas a não acreditar na Justiça.
E o que se estava a passar?
Posso dizer-lhe o que afirmei então à imprensa: fazer justiça sempre foi dar razão a quem tem razão, segundo a lei e os factos provados. Os tribunais devem fazer justiça e não vinganças pessoais.
Está a falar do comportamento dos juízes portugueses no caso da ministra Lúcia Lobato?
Não posso falar de casos concretos.
Mas continua a fazer sentido haver estrangeiros à frente de tribunais em Timor?
Ainda é precisa a presença de juízes internacionais para os tribunais funcionaram com a rapidez necessária. Há juízes timorenses já formados, mas é necessário continuar essa formação. Neste momento, está pendente a questão da cooperação com Portugal, mas eu acho que Timor vai ter de recorrer a outros países.
Não haverá entendimento? O ministro da Justiça de Timor diz que a cooperação pode ser reponderada…
Não sei. O que sei é que Timor precisa do apoio técnico de juízes internacionais e terá de resolver o problema – se não for em Portugal, será noutros países.
Mas isso terá consequências…
Pode pôr em causa um trabalho muito difícil que foi feito desde 2003. Pode levantar questões que já estavam resolvidas, nomeadamente a questão do sistema legal, porque tem sido discutido se Timor-Leste deverá continuar a adoptar o sistema continental e o modelo português ou se há vantagens em mudar para o sistema legal anglo-saxónico. É uma questão que tem sido um factor para consolidar a opção da língua portuguesa como língua oficial do país.
Pode estar em risco essa opção pela língua portuguesa?
Pode voltar a trazer a questão à discussão. Mas vai levantar uma perturbação muito grande no desenvolvimento da Justiça.
A saída dos juízes portugueses ameaça paralisar os tribunais?
Timor tem 22 juízes nacionais. Mas não sei em que medida é que estarão em condições de garantir o funcionamento do sistema.
Surpreendeu-o a expulsão dos portugueses e os seus termos?
Não. Saí do Supremo porque já havia problemas na Justiça. Mas o confronto não era um confronto entre tribunais e poder político… Penso que o Governo queria encontrar uma solução para um problema que estava a afectar os tribunais.
A que se refere? Uma solução para a forma como os portugueses estavam a actuar?
Para garantir que os tribunais tenham a confiança das pessoas. A independência dos juízes de que tanto se fala tem uma função: garantir que o juiz é imparcial quando toma uma decisão. Se não é imparcial quando decide, não há confiança no juiz, não há confiança na decisão, não há confiança nos tribunais. Se o juiz é independente mas não decide de forma imparcial, seguindo apenas a lei e os factos, não há justiça.
A posição do governo de Timor não é uma interferência no poder judicial?
Aparentemente existe uma interferência, mas apenas aparentemente. A experiência que tenho não me permite acreditar que estas decisões tenham como objectivo controlar os tribunais ou impedir os julgamentos de figuras políticas. Enquanto lá estive foram julgados, e condenados ou absolvidos, vários políticos – como o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, José Luís Guterres, e o ex-ministro da mesma pasta, Zacarias Lobato – e na altura não houve nenhuma demonstração da intenção de influenciar a decisão dos tribunais.
Mas não há uma guerra aberta entre poder judicial e Governo?
As coisas foram feitas de forma a propiciar confrontos, a começar pelas decisões do Parlamento e do Governo que podiam ter sido melhor preparadas para evitar este tipo de interpretação. Mas se o poder político verificar que os tribunais não estão a funcionar bem, é legítimo que tome medidas. Essas medidas não podem é interferir directamente no poder judicial e na decisão do caso concreto.