Na última década, o número de arguidos condenados a 25 anos de prisão aumentou de forma significativa. No ano 2000, segundo dados adiantados ao SOL pela Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, havia 21 pessoas a cumprir a pena máxima, enquanto dez anos depois a estatística subia para 88 – quatro vezes mais. E a tendência manteve-se nos três anos seguintes: em 2013, eram 96 os reclusos sentenciados a esta pena, o número mais alto de sempre.
“A investigação melhorou e a prova também. Por outro lado, a violência tem vindo a crescer, fruto da crise prolongada e das tensões sociais. E talvez haja um menor complexo dos juízes em aplicar a pena máxima porque se chega à conclusão de que fica aquém do que seria justo perante a gravidade dos crimes” – disse ao SOL o juiz-desembargador António Mendes Coelho.
Rui Teixeira corrobora. “Se estamos num momento histórico em que a criminalidade aumenta, a reacção do Estado deve ser mais forte, até por razões de prevenção geral”, sublinha o magistrado, que já condenou alguns arguidos à pena máxima – todos “casos escabrosos” de homicídios, alguns associados a roubos e a posse de arma proibida. A mais mediática condenação, em 2012, foi a do serial killer da Lourinhã, conhecido por 'rei ghob'. Já este ano, o juiz impôs a mesma pena a um caçador de 58 anos que baleou duas pessoas por espalharem rumores sobre a sua sexualidade. Este último suicidou-se recentemente na prisão.
Dificilmente, observa Rui Teixeira, alguém é condenado a 25 anos de prisão por praticar um só homicídio. “O que aumentou é o conjunto de condenações em cúmulo jurídico, ou seja, quando são cometidos vários crimes. E hoje o Ministério Público tem maior capacidade de agregar vários processos contra o mesmo indivíduo, o que também contribui para elevar a pena final que lhe é aplicada”.
Uma pena que não se aplica 'de ânimo leve'
A estatística confirma isso mesmo. No universo dos actuais 98 reclusos condenados à pena de 25 anos, só 15 cumprem pena por um único crime de homicídio qualificado. Os outros 83 foram condenados por homicídio associado a outros crimes – como posse de arma proibida, sequestro, violação, abuso sexual, profanação de cadáver e roubo.
“Os homicídios e todos os crimes com violência gratuita não geram simpatia entre os juízes”, afirma Rui Teixeira, ressalvando, porém, que nenhum magistrado impõe a pena máxima “de ânimo leve”: “É preciso perceber quem mata e por que o faz. Se se mata só pelo prazer de matar, isso é altamente censurável. Se a pessoa tem uma vida de agrura e tenta roubar uma peça de fruta e, ao fugir, mata alguém, isso torna-se mais compreensível”.
A verdade é que a forma como os homicídios são praticados “mudou completamente”, nota o advogado Carlos Melo Alves, com mais de 20 anos de experiência em processos-crime. “Hoje há assaltos feitos em grupo, por indivíduos sem o mínimo de experiência, que acabam da pior forma. Um homem nervoso com uma arma não sabe o que faz – e este é um crime novo. Depois há os assaltos planeados, mais perigosos, em que se contrata alguém para matar. E hoje mata-se por pouco dinheiro”.
Os homicídios mais violentos, observa o advogado, estão geralmente associados a roubos e tráfico de droga: “Muitos acontecem durante 'banhadas' e ajustes de contas”.
E se em alguns casos extremos a pena adequada até poderia ser superior a 25 anos, “ficando ao critério do juiz definir cada caso concreto”, no geral há que ter em conta o princípio da dignidade humana. “Quem leva 25 anos fica com a vida destruída. Deixa de ser pessoa. E desse ponto de vista as penas, em vez de serem dissuasoras, têm o efeito contrário. Seria melhor insistir na ressocialização”, defende Melo Alves.
Foi na reforma penal de 1995, do segundo Governo de Cavaco Silva, que a pena máxima passou de 20 (limite instituído em 1982) para 25 anos. O então ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, travou uma batalha política para resistir a muitas vozes que exigiam penas mais elevadas, de pelo menos 30 anos. “A segurança interna era, na altura, tema de muitas campanhas e motivo de preocupação geral. 'Arrastões' e outros fenómenos urbanos, como o furto por esticão, surgiram nessa altura”, recorda um jurista ao SOL.
Pena não é cumprida na íntegra
Neste momento, há 98 reclusos a cumprir 25 anos, a esmagadora maioria de nacionalidade portuguesa e do sexo masculino.
Há apenas três mulheres: duas condenadas por homicídio qualificado, roubo, lenocínio e rapto, e a terceira por homicídio, sequestro, roubo, falsificação de documentos e detenção ilegal de arma de defesa. É que os crimes de sangue, nota Melo Alves, são tipicamente praticados por homens: “As mulheres não têm destreza física e mesmo quando intervêm nos crimes têm uma função de apoio logístico”.
De qualquer forma, é muito raro o recluso que cumpre esta pena na íntegra. “Quando estão em causa penas superiores a seis anos, a liberdade condicional é obrigatoriamente concedida quando cumpridos cinco sextos da pena, a menos que o recluso não consinta”, explica o juiz Carlos Lobo, ex-subdirector geral dos serviços prisionais. Isto significa que, se não tiver sido libertado antes (geralmente a meio da pena ou aos dois terços, quando é apreciada a liberdade condicional), um condenado a 25 anos de prisão efectiva terá de ser libertado quando cumprir 20 anos e dez meses.