Seguir as pistas para resgatar a memória

“As exposições não se fecham no museu. Servem, antes, para dar pistas e abrir a curiosidade do público sobre o mundo”, diz Daniel Blaufuks na apresentação da sua mais recente exposição, ‘Toda a Memória do Mundo, Parte Um’. 

É sabido que o artista gosta de resgatar a memória e, com isso, decifrar histórias ocultas. Na mostra, patente até Março de 2015 no Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, são as palavras do escritor francês Georges Perec, na obra W ou a Memória da Infância (1975), e do alemão W. G. Sebald, no seu único romance Austerlitz (2001), que provocam esse exercício. 

O interesse recorrente em trabalhar a memória, diz ao SOL Daniel Blaufuks, 51 anos, neto de judeus polacos e alemães que chegaram a Portugal na década de 1930, prende-se, precisamente, pelo facto de vir de “uma família que perdeu a memória”. “Como os meus avós vieram para cá, não havia nada físico para trás. Tudo o que era comprado era um objecto novo, sem história”, diz. Por ter sido “uma criança afectada por isso”, um dos temas constantes nas suas criações é o Holocausto e aqui não é excepção. 

Produzida no âmbito de uma parceria entre o MNAC e a Sonae intitulada ArtCycles (que durante cinco anos pretende realizar três residências e a atribuição de um prémio na área da arte multimédia), 'Toda a Memória do Mundo, Parte Um' começa com um jogo de palavras, onde o título do romance Austerlitz se confunde com Auschwitz, prosseguindo depois com um filme sobre Terezin, cidade-campo de concentração na actual República Checa criada pelo regime de Hitler. Cruzando imagens antigas com outras que captou este ano na cidade, o filme tem a duração de quatro horas e meia correspondentes à visita que uma delegação da Cruz Vermelha realizou a Terezín em 1944. 

No último piso do museu encontramos o “coração da exposição”, como lhe chama Daniel Blaufuks. É uma série de painéis fotográficos que mostram a construção que o artista realizou seguindo as tais pistas que Perec e Sebald sugerem nos seus romances, nomeadamente um livro de Charlot que os dois escritores citam. “Perec e Sebald são escritores muito diferentes e nunca aparecem relacionados. Mas como sempre me fascinaram achei que tinham que ter qualquer ponto em comum e fui à procura”. Após muita pesquisa – que resulta também do doutoramento que está a fazer na Universidade de Gales sobre 'A fotografia através de Sebald e Perec e a relação com o Holocausto' – o artista descobriu várias semelhanças e, em especial, que ambos “partilham o trauma” do pós-guerra. Tal como, mesmo que de forma mais indirecta, Daniel Blaufuks.

alexandra.ho@sol.pt