Assembleia debate projectos para tornar a violação crime público

A Assembleia da República debate hoje projectos de lei do BE que pretendem tornar a violação um crime público, dispensando a apresentação de queixa, e passar a considerar como violação ou coacção a falta de consentimento na relação sexual.

O projecto de lei, que visa alterar "a previsão legal dos crimes de violação e coacção sexual no Código Penal", foi aprovado em Março no plenário com os votos favoráveis do BE e de "Os Verdes" e a abstenção dos restantes partidos, tendo baixado à Comissão dos Direitos Constitucionais de Direitos, Liberdades e Garantias para debate na especialidade.

O tema regressa agora ao plenário para debate (hoje) e votação final (sexta-feira), mas sob a forma de dois diplomas, tendo sido autonomizada a proposta para tornar a violação um crime público.

O Bloco de Esquerda quer que a abertura da investigação dos casos de violação deixe de depender de queixa e que um cato sexual sem consentimento seja reconhecido como crime de violação ou de coacção sexual.

Para o BE, é no "não consentimento" da relação sexual "que se configura o atentado à autodeterminação e liberdade sexual, e as demais formas de violência usadas para a consecução do ato só podem ser entendidas como agravantes".

O BE sublinha as posições favoráveis à alteração da natureza deste crime da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) e da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e rejeita o "argumento da dupla vitimação" invocado durante o debate que se gerou sobre o tema.

A Associação de Mulheres Juristas manifestou-se "abertamente favorável à atribuição de natureza pública ao crime de violação", considerando que "só deste modo" a lei consegue assegurar "de forma eficaz" a protecção das mulheres.

Em Março, com excepção de "Os Verdes", a linha de argumentação dos partidos foi no sentido de considerar "o não consentimento" de prova difícil e de sublinhar que a transformação da violação num crime público pode levar a uma dupla vitimização das mulheres que não iniciaram o processo.

No mesmo sentido vão os pareceres do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e da Procuradoria Geral da República (PGR) recebidos durante a discussão dos projectos na comissão.

O CSMP considera que o crime de violação deve manter a sua natureza semipública e sustenta que "importa equacionar se essa alteração não terá o efeito pernicioso de obstar à satisfação da protecção dos direitos fundamentais da vítima".

O CSM remete, por seu lado, para um parecer já emitido sobre projecto de lei sobre o mesmo assunto, apresentado pelo BE na sessão legislativa anterior e que foi chumbado, em que considerava que a alteração da natureza do crime "não salvaguarda os interesses da vítima, não se tutelando de forma alguma, a vontade da mesma em não pretender desencadear a acção penal".

As duas estruturas apreciaram de forma positiva as alterações propostas sobre o facto de o "não consentimento" ser considerado um ato de violência.

Para a PGR, tendo em conta as "consequências nefastas que poderão advir para a vítima, decorrentes de um processo de vitimização acrescida e desproporcional", a opção deverá ser pela "criação de um regime híbrido", que permita ao Ministério Público ponderar, caso a caso, a instauração ou prosseguimento da acção penal, "tendo sempre presente os interesses especiais da vítima".

As autoridades policiais registaram no ano passado 344 participações por violação face às 375 registadas no ano anterior.

Lusa/SOL