O gorila melancólico do Zoo

O Jardim Zoológico de Lisboa mudou muito nos últimos anos. E posso garantir que para melhor. Aparentemente só há uma coisa que não muda: as horríveis estruturas metálicas (penso que do Metro ou da Carris), mesmo em frente à entrada, que continuam a degradar-se ano após ano. São um péssimo cartão-de-visita e infelizmente ninguém parece…

Mas no interior do recinto em geral só há boas surpresas. Recentemente andei pela primeira vez no teleférico, que proporciona vistas privilegiadas sobre o parque – e um pouco de emoção, pelo menos àqueles que, como eu, têm medo das alturas. Os últimos anos trouxeram outras novidades, como o reptilário ou o templo dos primatas. As instalações foram melhoradas e os animais são os principais beneficiados – mas não são os únicos. Hoje penso que já não seria possível repetir-se um acidente como aquele que em tempos vitimou uma criança que caiu ao fosso dos ursos.
 
O Jardim Zoológico é um lugar único onde o mundo civilizado e o mundo selvagem se tocam. Quem vive nas imediações fala acerca dos estranhos sons que os animais produzem à noite. Para os visitantes, é um verdadeiro museu que fala acerca da natureza e dos seus prodígios. Graças a ele, não precisamos de fazer um safari em África para ver um leão ao vivo nem de ir à América do Sul para ver uma capivara. Toda a riqueza da fauna, ou quase toda, está ao nosso alcance.
 
Mesmo para os olhos contemporâneos, habituados a ver todo o tipo de imagens fabulosas na televisão e na internet, uma visita ao Jardim Zoológico continua a ser uma fonte de aprendizagem e deslumbramento. Eu, por exemplo, fiquei boquiaberto com a couraça do rinoceronte, que parece uma armadura medieval; com a cor dos flamingos, mais vibrante do que um pôr-do-sol africano; com o porte majestoso dos tigres; e com as brincadeiras dos primatas.
Estava ainda deliciado com as cabriolas que vira fazer um macaquinho quando fui confrontado com o lado menos luminoso do Jardim Zoológico. Enquanto os outros primatas brincavam em liberdade, um magnífico gorila permanecia enclausurado numa espécie de aquário. Fez-me pensar naquelas pessoas que, por força das suas deformidades, eram exibidas como aberrações nos chamados freak shows das feiras ambulantes.
Curiosamente, pouco tempo depois da visita ao Jardim Zoológico deparei-me com esta notícia: 'Orangotango em cativeiro tem direito à liberdade. Tribunal argentino considera o primata uma pessoa não-humana ilegalmente privada de liberdade e delibera a sua transferência para um santuário'.
Não sei se o gorila do Jardim Zoológico de Lisboa é ou não uma 'pessoa não-humana' – desconfio que a designação tem o seu quê de absurdo. Mas poderia jurar que foi melancolia aquilo que vi nos olhos do bicho – melancolia e porventura uma ponta de decepção pelo comportamento dos seus parentes humanos.