O cesto em vez do saco plástico

Há algum tempo que deixei de ser uma entusiasta da noite de fim-de-ano.

Se houve alturas em que a última noite do ano servia de desculpa para escapar por um dia (ou mesmo vários dias) à vigilância parental, como já não preciso de desculpas para sair à noite só me apanhariam em êxtase na comemoração se a passagem de ano fosse de 30 de Junho para 1 de Julho.

Não digo que a mudança de ano não seja motivo de comemoração, mas eu gosto mais de comemorar pequenas mudanças com efeitos mais imediatos: o início do Verão, um aniversário, o começo de uma viagem, o sucesso de um negócio.

Gosto de pequenas mudanças. São as pequenas mudanças que nos permitem adaptar às grandes mudanças.

Por razões climatéricas, o meu Ano Novo começa na Primavera. Mas alinhando na convenção social – e em jeito de balanço – 2014 foi, sem dúvida, um ano de pequenas mudanças.

Do Alentejo voltei a Lisboa temporariamente para trabalhar, e percebi que, mais do que a cidade do meu coração, o que me faz feliz é estar junto da minha pequena família. Voltei ao Alentejo a meio da Primavera e trabalhei o Verão inteiro. Percebi ainda que o tempo – e a liberdade para fazer com ele o que quisermos – é tão ou mais importante do que o dinheiro, porque o tempo é das poucas coisas que é impossível recuperar.

Descobri também que, afinal, gosto de enfiar as mãos na terra, tanto quanto gosto de escrever ou de ler e de ter as unhas impecavelmente arranjadas.

Infelizmente, a natureza nem sempre quis colaborar com a minha vontade de ter uma horta ou um jardim de Inverno. Mas concluí que isto da jardinagem é uma cruzada sem fim à vista.

No ano que passou continuei maravilhada com a possibilidade de colher fruta de árvores com mais idade do que eu em vez de a escolher no supermercado e trazê-la para casa num saco de plástico.

Para continuar a minha introdução à alentejaneidade, fui surpreendida por uma cria de rafeiro alentejano que apareceu literalmente de lado nenhum e sem pertencer a ninguém, à qual demos as boas-vindas na família.

Em 2014 aprendi finalmente a dominar a arte do aquecimento tradicional, vulgo salamandra, o que constitui uma importante vitória na batalha eterna contra o general Inverno – embora, logo em 2015, uma brasa acesa tenha aterrado precisamente no meio do tapete, ferindo gravemente o meu ego.

Por último, constatei que ir a Lisboa para fazer compras é uma canseira, e que o litoral alentejano fica mais longe do que eu imaginava antes de me ter mudado para cá.

Para 2015 fica o nosso projecto maior e a razão que nos trouxe ao Alentejo: a criação de independência financeira. Que é um acto bonito mas de parto difícil e demorado. Em 2014 foi necessário dar um passo atrás – para em 2015 podermos dar dois passos em frente.

Para 2015 fica também algo que, embora estando completamente ao meu alcance e dependendo unicamente da minha vontade, nunca me atrevi a fazer: a ideia romântica, que já vem dos tempos de Lisboa, de usar a bicicleta nas deslocações na vila e perder o medo de ser abalroada por um condutor ao telemóvel numa pick-up.

Por último – e no domínio daquilo que não depende de mim- folgo em ver, finalmente, uma taxa sobre o saco de plástico. Sendo uma acérrima defensora do cesto, um dos meus desejos para este ano é ver toda a gente aderir ao 'modo cesto' para ir às compras. Seria uma óptima maneira de reavivar a cestaria em Portugal.