Carlos Silva: ‘Com salário mínimo à grega metade das empresas fecham’

O líder da UGT espera que o PS reverta feriados perdidos quando for Governo e aumente o salário mínimo. A UGT vai apresentar um caderno de encargos numa cimeira de sindicatos.

Em Abril faz dois anos que é líder da UGT. Prometeu ser um líder mais aguerrido. Está a cumprir?
Estou a cumprir. Houve um crescimento da UGT que é também resultado da minha intervenção mais musculada. 

A UGT cresceu em número de filiados?
Cresceu, em termos absolutos. Isto apesar do aumento dos efeitos do desemprego e de ter perdido muitos associados no sector financeiro, por causa do desastre que varreu a banca. Crescemos nas comunicações, na energia, química, na Administração Pública e em sectores operários. A UGT está a ganhar terreno no operariado.

O último acordo de concertação social é de 2012. Há margem para novo acordo?
Não temos condições para fazer acordos globais de concertação social enquanto a política de austeridade não for abandonada. Terá de haver um rumo alternativo.

Um rumo que a UGT poderá ajudar a definir?
Sim. Faremos uma cimeira de sindicatos de dois dias, em Ferreira do Zêzere, para chegar a uma espécie de caderno de encargos para os partidos. Definiremos o que queremos do PS, do PSD e do CDS, se forem Governo, na reforma da Administração Pública e no Estado social. 

Há alguma exigência que possa antecipar?
Sim. Queremos saber se há condições para reverter algumas políticas na área laboral impostas em razão da austeridade. Há uma tradição de os governos de direita imporem políticas contra os trabalhadores mas depois vem o PS e não as altera. É importante perceber o que podemos esperar.

Há algum aspecto da legislação laboral que tenha esperança de reverter?
Custaram-nos muito os quatro feriados que perdemos. E a diminuição do pagamento do trabalho suplementar também. Neste último aspecto, tenho esperança de que o ministro Pires de Lima possa estender ao sector empresarial do Estado a reposição do valor do trabalho suplementar que já foi feito no privado.

Em matéria de salário mínimo, o que pretende?
A UGT não deixará este ano, antes ou depois das eleições, de discutir com os parceiros sociais um aumento do salário mínimo, para que esse aumento se efective em 1 de Janeiro de 2016.
O Governo do Syriza na Grécia vai aumentar o salário mínimo. É um exemplo a seguir?
É na iniciativa, mas não no valor, que é muito ambicioso. Gostava muito de ter um salário mínimo de 751 euros, mas tenho consciência de que talvez metade das empresas portuguesas fechava a porta. Nós não queremos mais falências. 

Qual é o estado da concertação social?
O que há nos últimos três ou quatro meses é um arremedo de concertação social. Os parceiros – sindicatos e empregadores – recebem pedidos de contributos para matérias que o Governo quer levar à Comissão Permanente de Concertação Social, para depois legislar, como a mobilidade geográfica, e dão-nos só dois ou três dias para responder. 

Silva Peneda não cumpre o mandato de presidente do Conselho Económico e Social até ao fim, para ser conselheiro de Jean-Claude Juncker, em Bruxelas. É um sinal de desvalorização do Centro Económico e Social (CES)?
Pelo contrário. Silva Peneda, que muitos esperavam que apoiasse as posições do Governo no CES, por vir do PSD, fez um trabalho de excelência a favor da concertação. Sai pela porta grande, para um lugar de gabarito, e deixa o CES num patamar de grande qualidade. 

Apoia João Proença para o lugar de Silva Peneda. O PS não devia ter já sido claro a apoiar o ex-secretário-geral da UGT? Acha que Costa se ressente por Proença ter sido director de campanha de António José Seguro?
Acho que o PS já devia ter sido claríssimo no apoio. Mas percebo também que o novo secretário-geral queira sossegar as suas hostes depois de um processo complicado em termos internos. Mas António Costa já me transmitiu a mensagem de que via com muitos bons olhos a candidatura do João Proença. E sei que o líder parlamentar Ferro Rodrigues terá manifestado uma posição muito favorável à sua indigitação. 

O que é suposto acontecer até à conclusão do mandato, em Outubro? A lei não prevê solução.
Recebemos a comunicação por escrito de que Silva Peneda sai a 1 de Maio. Há um imbróglio jurídico, mas com possibilidade de solução política. Os Trabalhadores Social-Democratas (TSD) transmitiram-me que aprovaram por unanimidade a indigitação do Proença. O PS tem hoje todas as condições para conseguir um entendimento alargado, para João Proença entrar o mais cedo possível, cumprindo o interregno de Silva Peneda com o compromisso de que seria para continuar. Estamos a fazer lóbi junto de dirigentes partidários. Mas a decisão é dos partidos. 

O FMI quer mais reformas laborais. Portas diz que ouve o FMI mas não o segue. É a postura adequada?
Acho que sim, e é uma postura mais positiva que a do Syriza, que não fala como FMI. Eu para a semana estarei em Washington, com Christine Lagarde e Subir Lall, e irei confrontá-los com os efeitos negativos dos excessos no programa de ajustamento.

Mas o plano teve aspectos positivos?
Portugal está a colocar dívida nos mercados a baixíssimas taxas de juro. Significa que Portugal retomou a credibilidade financeira nos mercados internacionais. 

O Governo tem mérito na conquista da credibilidade financeira?
O Governo tem mérito. A UGT, que assinou um acordo de concertação social, e os outros parceiros também têm. Mas foi mau que as medidas de austeridade tivessem ido além do que estava no memorando com a troika. Provocaram o empobrecimento do país. 

António Costa diz que o PS não é o PASOK. Mas deve ser o Syriza?
Eu não sou do Syriza nem sou um defensor da renegociação da dívida. Portugal está na Europa e tem de assumir os seus compromissos. Estivemos à beira da bancarrota, os três partidos do arco da governabilidade tiveram de se entender para subscrever o memorando e agora têm de assumir os seus compromissos. O Syriza foi a caixa de ressonância dos anseios do povo grego. Mas Portugal não é a Grécia.

Porquê?
Na Grécia a corrupção está instalada. Os gregos sempre foram especialistas na fuga aos impostos. Lembro-me daquela crónica de que havia 17 mil piscinas em Atenas e depois só foram declaradas 300, para fugir aos impostos. Mas voltando ao Syriza, acho que trouxe uma coisa boa, a de provar que a democracia ainda não foi abocanhada por determinados poderes. Outra coisa são as expectativas que criou aos gregos. É bom que em Portugal os dirigentes partidários não se esqueçam de que as pessoas se cansaram de promessas que não podem ser cumpridas.

Costa ainda não prometeu nada…
Pois. Mas Sócrates prometeu não aumentar os impostos e a primeira coisa que fez foi aumentá-los, levando à demissão do ministro das Finanças, Campos e Cunha. Não nos podemos esquecer. A prudência deve fazer parte da estrutura de quem quer ser poder em Portugal.

manuel.a.magalhaes@sol.pt

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