No meio destas revelações extraordinárias, não sabemos o que admirar mais: se o altruísmo do patrão, se a celeridade da Justiça, que levou 15 anos para concluir este processo! Podia levar 20 ou 30, que não seriam muitos… Cabe adiantar que entretanto o senhor Jorge Carvalho faleceu.
Mas vamos ao cerne da questão. Um patrão oferecer entre 150 e 200 jipes aos empregados é obra! Não sabemos se era um jipe a cada empregado, pois a notícia não dizia quantos empregados tinha a fábrica, mesmo assim tratava-se de uma oferta muitíssimo generosa. Claro que, com generosidades destas, provavelmente a empresa iria mais tarde ou mais cedo à falência e ficavam todos sem emprego.
Mas também podemos ver a questão por outro lado: há empresas prósperas que pagam ordenados de miséria aos trabalhadores pela ganância do lucro. O difícil, nestas coisas, é encontrar o equilíbrio.
É obvio que algumas reivindicações laborais de que vamos tendo conhecimento são excessivas, são incomportáveis, são exorbitantes. Os trabalhadores muitas vezes não entendem as dificuldades das empresas e a complexidade da sua gestão – e exigem o que a empresa não pode dar. Ou contestam medidas indispensáveis. Porque há, de facto, casos em que, se não forem tomadas decisões difíceis e duras, as empresas afundam-se – e em vez de serem despedidos alguns, as empresas fecham as portas e todos sofrem.
Mas também há o contrário: empresas que despedem funcionários podendo não o fazer. Que pagam ordenados ridículos podendo não o fazer. Que não contratam gente tendo condições para o fazer e necessidades a preencher.
Cada caso é um caso. Por isso sou contra os contratos colectivos de trabalho, as negociações para todo um sector, os acordos que são aplicados verticalmente e a eito.
É compreensível que as centrais sindicais defendam este modelo, porque é o que lhes dá mais força e aumenta o seu protagonismo. E não deixa de ser verdade que a união faz a força – e que os trabalhadores juntos têm um peso negocial completamente diferente do que têm as comissões de empresa. Não ignoro isso. Mas a aplicação de um acordo, indistintamente, a grandes e a pequenas empresas, a empresas que podem pagar e empresas que não podem, a empresas que têm clientes e empresas que não têm, é uma violência com terríveis consequências para a economia, estando na origem de muitas falências. Assim, sou favorável aos acordos empresa a empresa, tendo em conta cada caso – como se faz há muito tempo na Autoeuropa, com bons resultados.
O corporativismo foi muito atacado, até pelas suas ligações ao fascismo, mas assenta em princípios que irão revelar-se cada vez mais actuais.
Em contraste com o marxismo, que endeusa a luta entre o trabalho e o capital, o corporativismo celebra as virtudes da conciliação entre o trabalho e o capital. E a verdade é que, nos dias de hoje, há experiências dessas bem-sucedidas um pouco por todo o mundo. No Norte da Europa, há muito que os empregados participam nos lucros das empresas e têm uma voz activa na sua gestão. E no Oriente também existem exemplos inspiradores.
Ora, com o avanço da globalização, isso vai ser cada vez mais frequente. Porquê? Porque o aumento brutal da concorrência e o flagelo das deslocalizações vão fazer com que a luta deixe de ser entre patrões e empregados dentro de cada empresa – para ser uma guerra de sobrevivência entre empresas à escala global. E aí, patrões e empregados vão ter de lutar lado a lado pela vida da sua empresa. Não será mais o empregado contra o patrão – mas o empregado de mãos dadas com o patrão para resistir à concorrência. Que é isto senão corporativismo?
Entre oferecer jipes aos empregados, como pretendia o senhor Jorge Carvalho, e pagar-lhes o ordenado mínimo vai um abismo. É o oitenta e o oito. No meio está normalmente a virtude. Se há alturas em que algumas empresas não poderão aumentar salários, sob o risco de porem em perigo a sua sobrevivência, há outras em que poderão fazer sem problemas aumentos acima da média.
É esta elasticidade na gestão das empresas e nas relações entre elas que temos de procurar.
Temos de perceber que as centrais sindicais que hoje existem estão obsoletas, que os acordos colectivos pertencem a outro tempo, que a globalização introduziu novas regras.
Dentro de cada unidade de produção a união vai reforçar-se para lutar contra o inimigo exterior. Os acordos verticais, sectoriais, darão lugar a entendimentos empresa a empresa, unidade a unidade, consoante as disponibilidades próprias e tendo em conta a necessidade de serem competitivas no mercado.
A crise do Ocidente vai obrigar a novos padrões em todos os campos.
Uma coisa é certa: não se pode crescer sempre, indefinidamente. Nesta medida, vamos ter de nos habituar a viver equilibradamente com o que temos – em vez de querermos sempre mais.
Os gestores vão ter de perceber que não podem querer constantemente o lucro máximo, pagando ordenados mínimos e mandando gente para a rua por dá cá aquela palha; e os trabalhadores vão ter de perceber melhor o funcionamento das empresas e as suas dificuldades, para não fazerem reivindicações irrealistas que funcionem como boomerangs, provocando a morte das empresas que lhes dão trabalho.
A crise do capitalismo ocidental vai exigir que todos – accionistas, gestores, quadros superiores, quadros médios e trabalhadores pouco qualificados – percebam melhor as regras do jogo em que se movem, para poderem defender melhor o modo de vida europeu e os seus princípios, que estão efectivamente em perigo.
Que não sejamos nós próprios a minar por dentro o que deu tanto trabalho a erguer.
jas@sol.pt