Paulo Pereira Cristóvão: De segurança da PJ a dirigente do Sporting

*Perfil de Paulo Pereira Cristóvão publicado na edição do SOL de 20 de Abril de 2012

Paulo Pereira Cristóvão: De segurança da PJ a dirigente do Sporting
Na Polícia Judiciária (PJ), Paulo Pereira Cristóvão era conhecido como o 'abridor de cancelas'. Alto e corpulento, entrou para a Polícia em 1990, como segurança. Tinha 21 anos. A sua função era estar à porta, levantar a cancela e encaminhar os presos. Anos mais tarde, um concurso interno fê-lo subir a inspector, mas quem conviveu com ele diz que a força física foi sempre a sua característica mais evidente. «É um indivíduo grande, que bate que se farta», descreve com um ex-colega da PJ.

O caso de Joana, no qual foi acusado – e absolvido – do crime de tortura à mãe da criança, fez dele um homem famoso em 2007. No meio do escândalo provocado pela suspeita de que ele e os colegas teriam conseguido a confissão à pancada, Pereira Cristóvão pediu a exoneração da PJ. Para trás, ficava um currículo com várias situações por esclarecer e um processo disciplinar aberto depois de uma rapariga, vítima de um caso que investigava como inspector, o acusar de coacção sexual. A queixa foi retirada e o processo arquivado.

A TV e a causa das crianças

Publicamente, o ex-inspector começa a dar nas vistas nos programas da manhã da TVI, mal sai da Polícia. «Convidei-o para comentar casos de Justiça no Você na TV porque era um ex-PJ e podia falar à vontade», recorda o jornalista Hernâni Carvalho, que voltou a cruzar-se com Cristóvão mais de um ano depois nos estúdios da SIC. Hernâni assegura que não ficaram amigos. «Não tenho nada de bom nem de mau para dizer sobre ele».

A presença na televisão e o mediatismo ganho a comentar o caso de Maddie McCann dão-lhe acesso ao mundo literário. Ainda em 2007, escreve A Estrela de Joana, sobre o caso da menina algarvia. Um ano depois, edita A Estrela de Madeleine e um romance sobre «a vida do mais corrupto inspector da polícia». Uns Feios, Outros Porcos, Todos Maus é até à data a única incursão na ficção. Mas em 2010 dá à estampa Levaram-me, um livro sobre o caso de Rui Pedro.

O desaparecimento de menores passa a ser a causa pública que defende. Em conjunto com o advogado António Pragal Colaço, cria a Associação Portuguesa das Crianças Desaparecidas, que é hoje reconhecida como IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social). Paulo Pereira Cristóvão chegou a ser presidente da associação, a que pertence a mãe de Rui Pedro, mas já não faz parte do organograma. E Pragal Colaço recusa falar sobre quem diz já não ser seu amigo. «Não me quero meter nisso», limita-se a responder, sem explicar que razões o levaram a quebrar há sete meses a relação entre os dois.

Pelo motivo inverso, o actual presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC), Carlos Garcia, recusa também a falar: «Sou amigo dele. Não vou comentar nada». Gonçalo Amaral – que haveria de ser condenado por falsas declarações no processo em que partilhou com Pereira Cristóvão o banco dos réus, por causa do caso Joana – não se alonga em comentários: «Tive pouco contacto com ele. Mas tenho boa impressão pessoal e profissional».

Quem o conheceu na altura em que corria o país em sessões de autógrafos de livros, traça-lhe o retrato como alguém que «tem muita garganta, um verdadeiro gabarolas, que comete muitas inconfidências para mostrar que sabe tudo sobre toda a gente».

Há cerca de um ano, a advogada dos pais de Maddie fez uma queixa contra Pereira Cristóvão por procuradoria ilícita, na Ordem dos Advogados, por causa de uma empresa do ex-polícia. «Denuncio sempre que há uma empresa que presta serviço de assessoria jurídica – algo que só os advogados podem fazer», explica Isabel Duarte.

O 'Reinaldo Teles' de Alvalade

Em 2009, Paulo Pereira Cristóvão já era uma cara conhecida, quando se apresenta como candidato à presidência do Sporting. Sai derrotado contra José Eduardo Bettencourt. Mas ganha apoios junto das claques e essa força dá-lhe argumentos para que o actual presidente Luís Godinho Lopes lhe dê a vice-presidência e o pelouro das Estruturas e Património.

O plano do ex-polícia é transformar-se no 'Reinaldo Teles' de Alvalade: alguém que controle os jogadores, evite noitadas e vá gerindo as questões da arbitragem, à semelhança do que faz o vice-presidente do FC Porto. «Gabava-se de ter as claques na mão», conta um ex-dirigente sportinguista, explicando que Pereira Cristóvão dizia que «os controlava, porque tinha os cadastros de todos e eram todos uns bandidos». Em Alvalade, garante-se que além de tratar das pinturas necessárias no estádio, Pereira Cristóvão contratou uma empresa de segurança e «todos os meses distribuía dinheiro pelos porteiros das discotecas de Lisboa para saber se os jogadores saíam à noite». Para garantir a popularidade no plantel, convidava os jogadores para jantar em sua casa e era presença assídua no balneário. Aliás, fazia questão de constar na lista das pessoas autorizadas a estar no relvado durante os jogos, apesar de as suas funções não o exigirem.

Claques e girassóis

«Estava sempre a dizer que conhecia os casos amorosos de toda a gente e que sabia tudo», conta um membro do Sporting, que assegura que Pereira Cristóvão foi ganhando «um ascendente especial sobre Godinho Lopes». Apesar disso, no clube diz-se que a relação com o treinador Ricardo Sá Pinto não é das melhores, como também já não o seria com Domingos Paciência.

Esta terça-feira, justificou o regresso à vice-presidência – dias depois de ter suspendido o mandato – por ter obra por fazer: «Tenho quatro mastros para pintar, duas bancadas novas para fazer, uma bancada da família, uma sala nova para os sócios do Sporting e muita obra para fazer até Agosto». Mas uma das suas obras mais emblemáticas foi também uma das mais polémicas nos últimos anos em Alvalade. Foram ideia sua as imagens agressivas de claques nos corredores do Estádio. Como foi sua a ideia de as substituir por girassóis, depois de aquelas terem sido consideradas ofensivas e provocatórias.

À procura de cúmplices

A PJ não descarta a hipótese de o ex-inspector ter cúmplices nesta e noutras polícias que o ajudam a ter acesso a dados que usaria na sua empresa de business inteligence. Mas, para já, a investigação está concentrada em esclarecer se Pereira Cristóvão esteve na origem da 'armadilha' montada ao fiscal de linha José Cardinal – afastado do jogo para a Taça de Portugal, entre o Marítimo e o Sporting, em Dezembro, depois de uma denúncia anónima feita a Godinho Lopes.

O envelope enviado ao presidente do Sporting tinha o comprovativo de uma transferência bancária de dois mil euros para Cardinal, feita no Funchal. Os documentos foram entregues a Fernando Gomes, presidente da Liga de Futebol, que os fez chegar ao procurador-geral da República, Pinto Monteiro. Cardinal já não apitou o jogo que acabou com uma vitória leonina por 3-0. Mas a investigação concluiu, pela hora a que foi feita a transferência e com a ajuda da videovigilância do banco, que a transferência fora efectuada por Rui Martins, ex-membro da claque Juve Leo.

O material apreendido nas buscas – feitas na semana passada à empresa de Pereira Cristóvão e às instalações do Sporting – não foi ainda analisado pela Polícia. «O que está nos e-mails é considerado correspondência. Só pode ser aberto na presença de um juiz», explica fonte judicial. Rogério Alves, advogado de Pereira Cristóvão , diz que o cliente «ainda não foi ouvido» e que só sabe o que tem sido escrito nos jornais.

margarida.davim@sol.pt