O reino maravilhoso dos comentários online

Há coisa de um mês, à hora de almoço, um amigo chamou-me a atenção para um artigo publicado no jornal online Observador. Chamava-se ‘António Lobo Antunes. Ascensão e queda do enfant terrible da literatura portuguesa’ e dava conta da quebra de popularidade do escritor. A autora, Joana Emídio Marques, falava em «números arrasadores»: enquanto há…

Muitos, como não poderia deixar de ser, interpretaram a peça como um ataque. Perguntava assim um dos leitores: «Quem e porquê (quais os motivos fundos e verdadeiros) se lembraria de escrever um artigo assim digamos, sensacionalista ou 'reles' […]?». Ora, o artigo nada tinha de reles nem de sensacionalista: pareceu-me equilibrado, rigoroso, bem escrito e bem fundamentado. Admito que os fãs de Lobo Antunes não tenham gostado, mas tudo o que está lá são factos objectivos.

Porém, para ser completamente justo, devo reconhecer que o referido leitor não passa de um 'menino de coro' quando comparado com outros comentadores da net (comentadores da opinião alheia, bem entendido). Um habitué do site do SOL, por exemplo, embirra especialmente com um dos nossos articulistas, a quem chama «cómico» ou «humorista». Apesar disso, não perde um texto do dito cronista!

Aos poucos, tenho-me apercebido de que existem verdadeiros profissionais do comentário online. Alguns adquirem uma reputação tal que se vêem obrigados a mudar de nickname para tentarem passar despercebidos. Outros usam técnicas de guerrilha para fintar os filtros e colocarem palavrões nos seus arrazoados. E quase todos têm os seus ódios de estimação. Creio que, se se fizesse uma pesquisa por 'termos mais utilizados', expressões como 'imbecil', 'aldrabão', 'sarjeta', 'abjecto', 'asco', 'canalha' e 'cobarde' surgiriam entre as mais frequentes. A palavra 'vergonha' também aparece muitas vezes, mas curiosamente parece só se aplicar aos outros… E tudo isto com grande profusão de erros ortográficos e gramaticais, pois os comentadores anónimos adoram apontar o dedo aos jornalistas, mas já não são tão exigentes consigo próprios.

«Raramente me é dado a ver na imprensa um arrazoado tão reles, tão baixo, tão mesquinho, tão ressabiado, tão nojento e tão execrável como esta garatujada de letras […] por este espécime inqualificável de pretenso 'jornalista'. Não admira que com excrementos destes a classe [jornalística] esteja tão mal vista», escreveu uma leitora num comentário de enorme elevação a um artigo de opinião publicado pelo SOL.

Essas palavras de ódio fizeram-me recordar um episódio que vivi na infância. Quando eu era pequeno, teria cinco ou seis anos, ia muitas vezes com o meu pai assistir aos jogos do Belenenses. Para uma criança da minha idade, os jogos eram demasiado longos e aborrecidos. Mas havia um momento em que a monotonia era quebrada. A certa altura do jogo, uma senhora, algumas filas acima da nossa, levantava-se e começava a gritar impropérios para o árbitro: «Boi preto! A tua mulher vai para a cama com outro! Filho de uma égua». E coroava invariavelmente a sua avalanche de insultos com a cereja no topo do bolo: «Ordinário!». Sim, 'ordinário'! Até porque ela, embora gritasse a plenos pulmões aquilo que não posso reproduzir, era uma dama do mais fino recorte. 

jose.c.saraiva@sol.pt