A verdade segundo as televisões

Tendo sido assistente no processo Face Oculta, fui um espectador privilegiado do que se foi escrevendo e dizendo do caso. Ao longo do processo houve várias marés. Se numa semana parecia que as opiniões se encaminhavam em determinada direcção, na semana seguinte tudo mudava, pois algumas doutas cabeças peroravam como se conhecessem o que estava…

Nos últimos tempos, o caso José Sócrates tem seguido um caminho semelhante, havendo, no entanto, aqui um caso de fé cega que leva determinadas pessoas a quererem a absolvição na praça pública, enquanto outros aguardam que as provas confirmem as suspeitas. O mais surpreendente nestes casos, como em tantos outros, é como figuras com responsabilidades na sociedade portuguesa vão para a televisão dizer as maiores alarvidades sem se preocuparem em fazer o mínimo trabalho de casa. Ainda no fim-de-semana passado ouvi um conhecido professor universitário e um excelente jornalista a afirmarem que os crimes de que o antigo primeiro-ministro é suspeito dizem respeito ao período anterior à sua chegada a São Bento! Mas estarão assim tão desatentos ao que escreveram os jornais que citaram o acórdão do Tribunal da Relação? É incompreensível a ligeireza com que se dizem tantos disparates.

Também esta semana li um artigo bem interessante de José Manuel Fernandes no Observador onde este dava conta dos dois países em que vivemos. Basicamente, Fernandes falava do país dos telejornais, o das desgraças, e o outro, o real, onde tantas pessoas tentam levar a sua vida para a frente, indiferentes aos catastrofistas que enchem as nossas televisões com tantos comentários sábios… Comentadores esses que nunca põem em causa personagens como Mário Nogueira, o famoso líder da Fenprof, que está sempre contra todas as medidas que apelam à melhoria no ensino. É até possível que algumas das suas reivindicações sejam legítimas, mas quem está sempre contra tudo perde, obviamente, a credibilidade. Nunca se viu tal personagem, por exemplo, a exigir que os professores tenham acesso a cursos para melhorar as suas aptidões – o que se ouve sempre é gritar contra a exigência no ensino. Quer que tudo fique na mesma, onde os bons professores não se distingam dos maus.

Que é o mesmo que muito boa gente pretende ao exercer a sua influência. Dar a ideia de que o país está à beira do precipício, esquecendo-se que essa visão era bem real há uns anos, antes da chegada da troika e não hoje. Claro que os desempregados têm razões para pensar dessa forma, mas também é verdade que são bem menos hoje do que eram no tempo citado…

vitor.rainho@sol.pt