STJ arquiva suspeitas contra juiz

Arguido do Face Oculta teve acesso antecipado a acórdão mas não se pode punir o magistrado. O juiz Cândido Lemos era suspeito de ter fornecido a Godinho o projecto de acórdão.

o ministério público no supremo tribunal de justiça (stj) arquivou no passado dia 8 de outubro o inquérito contra o juiz-desembargador cândido lemos, aberto a partir de uma certidão extraída do processo face oculta. o magistrado, que desempenhava funções no tribunal da relação do porto e entretanto se jubilou, era suspeito dos crimes de corrupção, abuso de poder, violação do segredo de justiça e violação do segredo de deliberação.

no inquérito no stj, investigou-se a forma como manuel godinho, principal arguido do processo face oculta, teve acesso antecipado ao projecto de acórdão da relação do porto, de foi relator cândido lemos. este, a 9 de junho de 2009, anulou uma decisão do tribunal de macedo de cavaleiros que condenara a o2 (uma das empresas de sucata de godinho) a pagar uma indemnização de mais de 100 mil euros à refer (rede ferroviária nacional), por alegado roubo de carris.

tal acesso antecipado ficou comprovado por escutas telefónicas do dia 29 de maio, nas quais joão godinho, filho do empresário, leu pormenorizadamente o projecto de acórdão da relação ao seu pai. cândido lemos, o juiz relator do acórdão, era o principal suspeito de ter facultado o documento aos godinho.

o_desembargador admitiu, no primeiro interrogatório como arguido, «a eventualidade de, pelo menos a um advogado de espinho, ter dado conhecimento verbal» da sua decisão sobre o recurso da o2, «mas sem ter identificado o processo».

o advogado a que se referia, noé bernardes, trabalhava para a o2 há mais de 11 anos (tendo assinado a recepção dos mandados de busca às empresas de manuel godinho, em outubro de 2009, executados pela polícia judiciária no âmbito do processo face oculta).

esta ‘confissão’ parcial do desembargador poderia levar a uma acusação por violação do segredo de deliberação. contudo, a procuradora-geral-adjunta graça marques, que conduziu o inquérito no stj, entendeu que, o facto de o código de processo civil não conter uma norma equivalente ao segredo de deliberação inscrito no código de processo penal, a impedia de acusar lemos.

quanto às suspeitas de corrupção, depois de analisadas duas contas bancárias e o património imobiliário do desembargador, nenhuma alteração foi registada.

o_mesmo sucedeu quanto ao crime de abuso de poder. graça marques entendeu que o acórdão elaborado por cândido lemos, apesar de dar razão à empresa de godinho (por entender que o processo já tinha prescrito), não beneficiou «sem qualquer fundamento jurídico credível a empresa o2» – escreve a procuradora no despacho de arquivamento, que o sol consultou no stj.

recorde-se que a decisão de cândido lemos, após recurso da refer, acabaria por ser anulada pelo stj – que considerou, pelo contrário, que a prescrição não tinha ocorrido. mas a procuradora-geral-adjunta desvaloriza esta questão, entendendo que ambas as decisões são legítimas, por estarem «dentro das funções que cabem aos tribunais superiores (relações e supremo)».

inquérito disciplinar vai mais longe

o conselho superior da magistratura (csm) foi mais longe na censura a cândido lemos. o_instrutor do inquérito disciplinar, aberto em dezembro de 2009, não tem dúvidas: «o projecto de acórdão chegou às mãos de joão godinho através do desembargador, não tendo ficado esclarecido se directamente ou por interpostas pessoas», escreveu o conselheiro salreta pereira, no respectivo relatório. o_magistrado diz que não conseguiu, porém, identificar a pessoa que fez a entrega. isto porque manuel ou joão godinho «não quiseram colaborar, numa evidente posição de solidariedade com o responsável».

o_inquérito foi convertido em processo disciplinar em março, pelo facto de «o comportamento do desembargador violar gravemente o dever de reserva», lê-se na proposta de salreta pereira. desde 13 de julho, data em que o relatório do processo disciplinar foi concluído, que se aguarda a conclusão do acórdão que será submetido ao plenário do csm.

o desembargador josé manuel duro, chefe de gabinete do vice-presidente do csm, admitiu ao sol que «a deliberação final do plenário do conselho possa vir a ocorrer até ao final de dezembro».

luis.rosa@sol,pt