Cooperação estrategicamente activa

Seis meses de mandato presidencial, cem dias de Governo, uma semana após a primeira entrevista televisiva do primeiro-ministro Passos Coelho, dias antes da apresentação do Orçamento do Estado para 2012, na véspera das primeiras manifestações de rua – foi este o timing escolhido por Cavaco Silva para, em entrevista à TVI, falar ao país sobre…

cavaco silva é dos raros políticos portugueses que escolhe criteriosamente os momentos em que fala – e diz apenas e só o que quer dizer, porque não se move nem se deixa mover pelas críticas aos seus silêncios, nem pela agenda mediática de terceiros.

não foi por isso inocente – muito pelo contrário – o momento que o presidente escolheu para falar aos portugueses, nem a mensagem que lhes quis transmitir.

numa situação de emergência nacional, o presidente da república, mais do que demonstrar uma perfeita sintonia com o governo liderado por passos coelho, preocupou-se em dar o seu aval às medidas indispensáveis para portugal reequilibrar as finanças públicas e recuperar a economia e um rumo de futuro. e preocupou-se também em justificá-las, mais até do que o governo o fez até agora, com recurso à argumentação de professor catedrático de finanças públicas – nunca, nos seis anos que já leva em belém, cavaco silva se permitiu falar tão abertamente de matérias da competência exclusiva do governo.

porque, para cavaco silva, o que está em cima da mesa, nesta altura crítica, é muito mais do que o programa do executivo.

dito de outra maneira, mais do que apoiar o governo, o presidente comprometeu-se com a defesa intransigente do cumprimento do programa assinado com a troika e com os objectivos assumidos por portugal em troca da ajuda externa a que teve de recorrer.

daí o anúncio da convocação do conselho de estado para daqui a um mês e daí ter feito questão em sublinhar que é «fundamental ouvir todos os conselheiros de estado».

cavaco silva não fez um apelo à coesão nacional, apresentou-a como condição sine qua non para portugal poder ter esperança no futuro.

por isso frisou que não é só o governo que está comprometido com as medidas difíceis («e são muitas») do memorando da troika, mas também o ps. e a banca e todos os agentes económicos e sociais… e, claro, o presidente da república.

ora, esta é a principal novidade da primeira entrevista de cavaco silva no seu segundo mandato em belém: deixar claro qual será o papel do presidente da república neste momento de emergência nacional.

da cooperação estratégica ou da cooperação activa, o presidente passa a ponto focal e agregador das forças políticas, económicas e sociais na defesa do cumprimento do objectivo comum de salvar portugal da bancarrota e devolver-lhe futuro.

para tanto, não lhe basta afirmar e demonstrar a coesão institucional entre presidente e governo. porque a reputação externa do país e, principalmente, a recuperação da confiança dos mercados depende também em muito da coesão nacional nos momentos difíceis que se avizinham.

os sacríficios são inevitáveis e não há alternativa à austeridade pura e dura.

portugal precisa de produzir mais e melhor, de exportar mais, de importar menos, de devolver à banca capacidade de financiamento, de apostar em estratégias de crescimento da economia.

portugal precisa de tudo menos de greves e de agitação social.

e belém, neste cenário, não será nunca uma caixa de ressonância de descontentamentos improdutivos e muito menos uma força de bloqueio.

essa foi a mensagem de cavaco silva, numa entrevista em que assumiu a defesa da europa da coesão e da solidariedade dos países ricos para com os mais pobres – em que o bce seja financiador ilimitado das dívidas soberanas em situação crítica. e que esteja também disponível para financiar o regresso aos mercados dos países que desenvolvam todos os esforços para cumprir as metas a que estão obrigados.

também por isso, portugal não pode ser uma nova grécia. ou a madeira da europa.

por falar em madeira, foi o tema menos feliz da entrevista de cavaco silva, porventura contido pelo timing que escolheu – em plena campanha eleitoral madeirense.