Nostalgia de se dar ao luxo

Gisele Bundchen, a modelo mais bem paga do mundo, protagoniza um anúncio onde dá más notícias ao marido. Di-las de duas formas, com o mesmo conteúdo: rigorosamente as mesmas palavras, carro partido, crédito esgotado, etc., mas na segunda versão está em lingerie.

 caíram os equivalentes ao carmo e à trindade (pode ser, sei lá, o cristo-rei e um palácio qualquer em brasília) por terras de vera cruz. persuadir assim o consorte? ultraje, sacanagem, vexame, gritaram muitos irmãos brasileiros, instigados pelas feministas.

ah sim? quer-me parecer que este anúncio bem esgalhado só prova duas coisas: uma, que o homem é mais básico que a mulher, mais visual e facilmente conquistável. outra, que o brasil está de facto num estado tal de progresso económico e bem-estar geral que se pode dar ao luxo de eriçar-se todo com assuntos de lana caprina. quem nos dera a nós, ai ai.

nota de rodapé final: as modelos femininas ganham bem mais que os seus congéneres masculinos. ri por último a gisele, e de certeza absoluta que ri melhor.

iii – crítica aos mq’s

(e a minha ideia para ficar rico)

certo, caro leitor, não insista mais. vou finalmente escrever sobre o assunto pelo qual há muito vem esperando. assim mesmo, com lânguido gerúndio. refiro-me obviamente a uma análise exaustiva aos motéis para sexo nos arredores da capital. era isso, não era? afaste então por momentos e por favor as crianças deste jornal saudavelmente familiar. ok?… já está? vamos.

primeiro mistério: por algum desígnio insondável, os três estabelecimentos sobre os quais me vou debruçar (elite, requinte e d’lirius azuis, vulgo mq’s – motéis da queca) são na abrunheira ou suas cercanias, terra assim elevada a uma espécie de silicon valley da marotice.

o esquema é simples e eficaz: cada habitação funciona como uma espécie de duplex, entra-se com o carro directamente para uma garagem, fecha-se a porta, e passa-se a um pequeno hall com escada que nos leva ao quarto. trancado nestes preparos, o casal transmuta-se por umas entretidas horas para uma verdadeira dimensão paralela (é possível filtrar qualquer hipótese de luz natural para o interior, contribuindo assim para o isolamento do retiro kinky), uma fantasiosa delícia para pares danadinhos para a brincadeira, como é o caso – em quota de 50% – do vosso escriba. a privacidade é ainda salvaguardada por um jogo de portinholas que permite pedir álcool ou comida para o quarto sem ter de ver rigorosamente ninguém. bem-hajam.

a decepção: o d’lirius azuis quer conjugar sexo selvagem com amor romântico, o que é obviamente muito meritório, raro e quase milagroso, mas possível. infelizmente, fugiu-lhes o pé para o chinelo e ficaram num piroso meio caminho (o nome, verdade seja dita, já serve de aviso). reparem: colunas romanas a roçar a esferovite, flores de plástico e gravuras do kama sutra made in taiwan são do mais foleiro que há, e a líbido não se dá muito bem com gargalhadas nervosas. irrita mais do que excita.

mais vale assumir sem pejo os motivos que ali levam tantos clientes – aliás, se me permitem a analogia futebolística, o desafio aqui é ver o messi a brilhar na reboleira. quem sabe dançar, dança bem em qualquer sala. ou seja, se duas pessoas apaixonadas têm um ímpeto momentâneo para a depravação, não precisam de corações a brilhar nas paredes para lhes recordar de que se amam. e se o par momentaneamente hospedado neste habitat nem sequer inclui amor na sua equação, então menos ainda precisa dos remoques a atirar ao romântico. bacalhau devia bastar. contudo, o d’lirius merece uma menção honrosa devido à pizza… sim, à pizza. uma quente, fofa e saborosa pausa na refrega, que pode ser encomendada a qualquer hora da noite. agradece-se ainda a mui cortês oferta de lingerie comestível… mas o estômago fica antes deveras grato pela especialidade italiana.

entre o elite e o requinte, ganha o segundo mq. com uma excepção. em ambos é possível ir subindo na hierarquia, desde quartos com o básico indispensável aos doidivanas de ocasião até habitações munidas de jacuzzi, varões, tecto e paredes totalmente espelhadas ou até mesmo piscinas interiores. e a excepção é precisamente esta: o quarto de topo do elite bate a nupcial do requinte por ko. apetece passar lá um fim-de-semana inteiro e depois perguntar ao padre da paróquia se tem o resto da semana livre.

todavia, nenhum destes mq’s se arrisca a dar o salto que falta – e aqui chegamos à ideia que me tornará milionário, se encontrar um sócio endinheirado ou um business angel com um diabinho (em vez de uma) criança dentro de si. falo de um verdadeiro sex hotel onde cada quarto, mais do que um recanto homogéneo entre o divertido e o perverso, é uma verdadeira fantasia: o escritório, a divisão de massagens, o consultório médico, a sala de aula, o privado, a limousine, a lareira, etc., com figurinos a condizer e disponíveis em todos os tamanhos nos armários. há amar e fantasiar, há ir e voltar.

hmmm… agora só tenho de descobrir uma forma convincente de persuadir os meus pais a não comprar esta edição do sol.

lfb_77@hotmail.com