Livro Público de reclamações

Ter um carro eléctrico é, ainda, um martírio em Portugal. Não interessa que seja o futuro. A MobiE, entidade responsável pelos postos de abastecimento, parece habitar uma dimensão paralela, ou pelo menos outro fuso horário.

os locais de carregamento são ainda poucos e, muito pior, estão regularmente avariados. o conserto pode demorar dias. a gota de água foi quando, na estação de serviço de oeiras, onde está uma tarja gigante assinalando ali o 1.º posto de carregamento eléctrico rápido da europa, dei pela enésima avaria na máquina. ligo para a mobie, perguntam-me onde estou e, após breve pausa aproveitada pelo escriba para repousar os olhos precisamente na dita cuja tarja, vem a resposta: «mas esse posto não existe».

ii – reacção a inês pedrosa

(‘sangue, suor e lágrimas’)

na edição do sol de 28 de outubro, inês pedrosa referiu-se ao programa 5 para a meia-noite (na crónica de título supracitado) com termos e argumentos aos quais sinto a inevitabilidade de responder. hesitei, sobretudo tendo em conta a honra que partilhamos ao colaborar no mesmo semanário, mas lá cedi à sabedoria popular: quem não se sente não é filho de boa gente.

num texto dedicado às intenções deste governo para com a rtp, a autora tece considerações sobre o serviço público e aponta – taxativamente e com direito a fotografia – o programa do qual me orgulho de ser um dos anfitriões e guionistas como um exemplo negativo: «o que não é serviço público, certamente, é o modelo chocarreiro do talk-show diário da rtp2 cinco para a meia noite (sic)». noto com espanto a capacidade que inês pedrosa teve de resumir com um único adjectivo um programa que tem 5 apresentadores diferentes e, logo, 5 registos distintos. o porquê de nos catalogar como «chocarreiros», ip não diz, não justifica nem argumenta. confesso que esse, vá, pormenor, não me chocou. como leitor de duas obras da autora, estou ciente de que fazer sentido não está no topo das suas prioridades. ip acrescenta outro exemplo de mau serviço público, curiosamente também da grelha da rtp2 (um canal de orçamento francamente limitado).

diz ainda: «a quem se destinarão aquelas coisas? aos jovens? não conheço nenhum que seja fã daqueles modelos». aqui me entristeço com o facto de, tudo indica, ip seguir à letra o título genérico do seu espaço no jornal, fora de órbita. na realidade, imagino que seja difícil conhecer jovens no espaço sideral. se porventura tal evento vier milagrosamente a suceder, sugiro que ip peça ajuda ao representante da juventude em questão para aceder a uma rede social chamada facebook. aí descobrirá que, sem contar com os perfis pessoais dos anfitriões e actores do 5p/m-n, descontando as inúmeras páginas criadas por fãs do programa versando rubricas específicas do mesmo, milhões de visionamentos no youtube e sapovídeos ou movimentos online ‘exigindo’ novas temporadas do talk-show diário da rtp2, só na página oficial do programa estão substancialmente mais de meio milhão de pessoas (isto num país envelhecido, com cerca de 10 milhões, onde se presume que nem todos estarão ligados à web… – enfim, como diria o outro, é fazer as contas).

ah, mas atenção. acrescenta curiosamente ip: «aliás, os jovens estão a abandonar a televisão: procuram as séries que lhe interessam directamente na internet». poucas coisas nesta vida, caro leitor, sabem melhor que a ironia. e já que abordamos este assunto, a autora termina aconselhando a rtp a rentabilizar as pessoas que tem ‘na prateleira’, «em particular as mulheres». isto logo após desancar um programa que, de 5, tem duas apresentadoras, e num registo – o do humor – onde qualquer pessoa com dedo e meio de testa facilmente conclui que as mulheres não abundam, longe disso (infelizmente).

claro que ip está no seu mais do que legítimo direito de não gostar do 5p/m-n mas, quanto a não ser serviço público, direi brevemente o seguinte: este modesto programa que começa por volta da meia-noite e meia, a uma hora na qual outros canais passam telenovelas, filmes mais ou menos requentados e reality-shows – assumindo-se assim, creio que claramente, como verdadeira alternativa de programação, levou a um estúdio cujo público está lá sem ser pago para isso (uma perfeita raridade) cerca de 1.000 convidados ao longo de perto de 300 directos. actores, realizadores, escritores, jornalistas, produtores, encenadores, cientistas, professores, guionistas, comentadores, políticos, músicos, apresentadores, estilistas, coreógrafos, pintores, radialistas, atletas, comediantes, empresários, etc. de pedro passos coelho a katie melua, passando por cristina branco, antónio costa e pilar del río, helena sacadura cabral, vasco graça moura ou alejandro amenábar, uma quantidade impressionante de personalidades foi dada a conhecer a gerações que, provavelmente, doutro modo não chegariam até elas. isto com uma média global de pelo menos 10% de quota de mercado nas audiências, valores históricos para a rtp2.

ainda não convidámos inês pedrosa, salvo erro – uma falha que esperamos sinceramente compensar se houver 6.ª temporada. no entretanto, tranquilizo-a: o programa tem sponsor. aquilo que saiu do seu bolso de contribuinte não chega para pagar o adoçante que vem com a bica na casa fernando pessoa.

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