London Calling ou uma cidade com pressa

Em Oxford Street, espécie de avenida das embaixadas das marcas caras, dezenas de milhares de pessoas acotovelam-se durante as últimas compras natalícias.

contudo, até neste afadigar constante nas cargas de ombro os ingleses são educados. a única vítima dos confrontos involuntários parece ser mesmo a recessão. o brasil acaba de ultrapassar o reino unido como 6.ª economia mundial mas estes transeuntes armados de sacos, claramente, não receberam o memorando.

ainda ontem, segundo o london evening standard – gratuito com 5 dezenas de páginas onde leio excelentes prosas sobre as mortes de vaclav havel e kim jong-il – houve aqui mesmo uma peculiar tentativa de assalto. no modo e no desfecho. gatunos em motorizadas rebentaram a montra de uma ourivesaria em pleno dia (o que não é fácil, pois a noite chega às 16h) e um rapaz entre a multidão de anónimos candidatou-se a algo mais do que testemunha ocular: abalroou uma das motos a pontapé, precipitando a fuga e diminuindo o prejuízo aos gratos ourives. o jornal, o youtube e a condição humana agradecem. pergunto-me, melancólico, quem se daria a este risco em portugal.

sensivelmente a meio da oxford há uma loja em liquidação total. um funcionário protagoniza brilharete no passeio defronte, leiloando como quem narra a final do campeonato do mundo. as licitações são golpes de gladiadores sorridentes e, apesar de ainda mais confusão, continuam cordatos os britânicos – sempre disponíveis para um ‘pardon’, um ‘excuse me’ ou um ‘sorry’. quase que dá gosto levar um encontrão.

diz o cliché que os londrinos são de facto assim, amáveis e prestimosos, mas ultrapassar essa barreira para o lado da amizade já se torna bem mais difícil. talvez. mas o escriba está cá para uma semana apenas – os hipotéticos amigos podem esperar. londres é, pelo menos, promissora nesse aspecto. espantoso como uma metrópole onde caberiam perfeitamente todos os portugueses consegue manter um ambiente de bairro. cada quarteirão dir-se-ia auto-suficiente: a lavandaria, o mercado, o café, as lojas e os restaurantes. e depois é a insinuante planura, permitindo o convívio das bicicletas com os double-decker bus e encorajando as pernas do turista. da torre de londres até covent garden leva-se uma hora mas nem se dá por isso.

londres é uma capital com pressa. dou por mim a beber o café puro da simpática (e económica) guest house nos degraus da entrada, para poder fumar enquanto admiro o espectáculo dos londrinos a caminho do emprego. correm ou, no mínimo, marcham. tal qual aqueles atletas de pernas olimpicamente tortas num esforço masoquista entre o correr e o andar. josé régio não parece vingar por aqui. dá a ideia clara que eles sabem por onde vão. fica a dúvida: será por verdadeira paixão pelo trabalho ou porque sentem estar, de facto, a contribuir para algo desde o olho do furacão? enquanto acabo o meu pensativo cigarro dou por mim a invejar esta fúria doce, correria desenfreada de todas as manhãs.

arranquemos, inspirados, para nova caminhada. cruzemos a marylebone road com a baker street e façamo-la toda com longa pausa logo ao início para conhecer o regent’s park. depois a já conhecida oxford, descida desde o circus pela regent street e eis-nos em piccadilly circus, uma maquete da times square nova-iorquina. aqui é possível quebrar o mito da cidade caríssima com lojas bastas em descontos até aos 70%. descemos um pouco mais até ao west end e, esta noite, há teatro. vir a londres e não ver uma peça é como ir a aveiro e não ver os canais. analogia pobrezinha, certo. é da crise. fomos ver a lion in winter e, no fim, mesmo ao lado da placa que assinala as primeiras exibições de dois futuros clássicos de oscar wilde neste mesmo teatro, deu para dois dedos de conversa e um par de flashes com robert lindsay e joanna lumley, protagonistas. o primeiro gravou uma série em sesimbra, logo se pode concluir que a agradável conversa de circunstância foi rica em clichés amáveis: pessoas simpáticas, o sol, grandes vinhos e peixe. não cesso de me espantar com a amabilidade dos londrinos. será de serem ilhéus, de conduzirem do lado errado, de não ligarem ao euro? depressa e bem, afinal, há quem. para onde caminha esta gente toda de passo furioso e esgar sorridente? uma piadola sempre prestes a saltar da algibeira?

o escriba e companhia transformam-se em maratonistas de mapa em punho. st. paul’s cathedral, london bridge, westminster abbey, st. james park, big ben, city hall, portobello road, a inevitável etapa entre o cómico e o canastrão no tussauds. no harrod’s, descoberto por mero acaso, entramos para perguntar somente se existe porventura nestes armazéns uma ‘poor section’, e rebenta uma gargalhada ao segurança. uma semana inteira sem notícias deprimentes de portugal mas vários ‘obrigados’ macarrónicos escutados regularmente aqui e ali, ao ser revelada a proveniência. só há uma maneira de ver londres: voltar – desabafa a companhia, em jeito de slogan publicitário redondinho e na mouche.

feliz ano de 2012, caro leitor. sorriso no rosto, passo apressado e bola para a frente. cheers.

lfb_77@hotmail.com