O 25 de Abril das nossas vidas

À semelhança de outros países do Sul da Europa, Portugal vive uma crise social e económica, uma crise política e de representação. Mas não vive uma crise constitucional.

Basta olhar para Espanha, onde as autonomias e a questão republicana põem à vista os bloqueios da sua Constituição 'pactuada', para ver que não é assim em todo o lado. E basta olhar para o nosso passado para ver que não foi sempre assim por cá: passámos o século XIX em conflito constitucional, que inclui períodos de guerra civil declarada e outros de guerra civil larvar, e três quartos do século XX passaram-se sob instabilidade constitucional e, depois, sob um autoritarismo asfixiante.

No 25 de Abril de 1974, no Largo do Carmo, o primeiro civil a discursar – por acaso, um monárquico e católico progressista, Francisco Sousa Tavares – disse, no seu improviso de cerca de três minutos, que aquele era o dia mais importante para Portugal desde 1640. Acertou: em poucas outras ocasiões se revelaram tanto as melhores qualidades do temperamento geral dos portugueses.

Desmantelou-se uma ditadura; receberam-se centenas de milhar de retornados das ex-colónias; evitou-se uma guerra civil; contiveram-se novas tentações autoritárias; fez-se uma estratégica escolha europeia; definiu-se um modelo de desenvolvimento baseado numa economia mista; firmaram-se os direitos cívicos e políticos; começou a construir-se um Estado social.

Portugal não viveu ainda mais dias de liberdade do que aqueles que viveu de ditadura: 17.499 dias de repressão entre 1926 e 1974, que só superaremos em liberdade no ano de 2022. E os últimos anos foram penosos. Após o impacto desmesurado de uma crise financeira sobre um grupo de países da zona euro – que nos apanhou em cheio – tivemos quatro anos de política de austeridade; aumentou o desemprego e a pobreza, e os portugueses emigraram como já não faziam desde os anos 60. A acrescentar à crise económica e social, o desânimo colectivo e a descrença nas instituições e na política estão a um nível mais alto do que nunca depois da Revolução.

Se não for encontrado um caminho de recuperação que prove uma certa capacidade de regeneração do sistema político-partidário, os caminhos dos últimos anos começam a não ter retorno. Por isso, as próximas eleições, legislativas e presidenciais, são tão cruciais; elas fecham um ciclo político, e têm de dar uma resposta aos grandes problemas que os portugueses vivem hoje: do desemprego, da desigualdade e da dívida; da precariedade, das privatizações e da própria política.

Há uma certa direita activista que deseja atacar o que pensam ser os males do regime através de um exercício de evisceração constitucional. Dizem frequentemente que a Constituição tem direitos a mais. Essa é uma opinião ultraminoritária e, por isso, essa direita sabe que só pode conquistar o que quer se encontrar nas próximas eleições a possibilidade de viabilizar um governo em troca da revisão constitucional que pretende.

Por isso os próximos meses são de tudo ou nada para quem se opôs às políticas anti-sociais da austeridade.

Ou encontramos a coragem de ser maioritários e o discernimento de um programa comum, ou veremos o desmantelamento daquilo que foi conquistado nos anos de maior desenvolvimento social e político do Portugal moderno.

*Historiador e Dirigente do Livre/Tempo de Avançar