Não há paciência para mais debates semânticos, que não faltaram no caso grego. Mas vale a pena tentar clarificar um pouco a noção de austeridade, que hoje divide economistas e políticos.
A possibilidade de haver 'austeridade expansionista' é escassa, mas existe. Medidas de redução do défice orçamental, cortando na despesa pública, podem em certos casos suscitar a confiança dos empresários e levá-los a investir mais, promovendo o crescimento económico.
Mas essa será a excepção à regra segundo a qual a austeridade normalmente trava o crescimento económico. Só que, quando um país ao longo de muitos anos gasta acima dos seus recursos, tapando o buraco com crédito, não há outra solução que não seja mesmo 'empobrecer'.
Isto é, reduzir o consumo privado e público e também o investimento público (sobretudo quando se exagerou na construção de infra-estruturas, como auto-estradas); o investimento privado cai por força da menor procura e da incerteza provocada pela crise. Foi o que aconteceu em Portugal. E aqui não pode haver discussões semânticas: basta consultar a evolução das contas externas.
Não se justifica excluir da austeridade medidas como subidas de impostos e diminuição das prestações sociais, que se concretizaram em França – e bem mais por cá. Como dado positivo, é de salientar que, em Portugal, a maioria das famílias, mais do que o Estado e as empresas, alterou significativamente o seu perfil de consumo face à austeridade. E até passou a poupar mais, com menos rendimentos.
Por isso o aliviar da austeridade, agora e nos próximos tempos, deverá ser gradual e não pôr em causa esse ajustamento realista. Até porque uma nova onda de consumismo iria desequilibrar outra vez as contas externas e assentar em maior endividamento.
Daí que se entenda mal a posição de António Costa, se é que ela existe: por um lado, transmite a ideia de que não prometerá nada que não possa cumprir, se for Governo; por outro, anuncia a reposição dos salários da função pública, o fim da sobretaxa do IRS, o regresso do IVA da restauração à taxa média, etc.
A austeridade também inclui as reformas, que quase sempre implicam incómodos e sacrifícios, pelo menos para os interesses instalados. Os empresários aplaudem a concorrência, excepto quando esta lhes bate à porta.
Em França as reformas têm sido poucas. Em Portugal poderiam ter sido mais (sobretudo falhou a reforma do Estado, claro). Mas as reformas são uma das faces da austeridade que podem e devem permitir um maior e melhor crescimento económico futuro.
Claro que a austeridade pode ser injustamente distribuída pela população. E também pode ser excessiva – e foi, em Portugal e sobretudo na Grécia -, dificultando a própria redução do défice orçamental (com recessão baixam as receitas fiscais e sobem as despesas do Estado, como os subsídios de desemprego). A forte quebra do PIB português em 2012 e a rápida subida do desemprego surpreenderam a troika. Uma falha de previsão que não abona a sua competência técnica.