Austeridades

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, e vários dos seus ministros afirmam não haver austeridade em França porque ali não baixaram as pensões nem os salários dos funcionários públicos, ao contrário do que aconteceu em Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Grécia e até no Reino Unido (país que não está na Zona Euro).  

Não há paciência para mais debates semânticos, que não faltaram no caso grego. Mas vale a pena tentar clarificar um pouco a noção de austeridade, que hoje divide economistas e políticos.

A possibilidade de haver 'austeridade expansionista' é escassa, mas existe. Medidas de redução do défice orçamental, cortando na despesa pública, podem em certos casos suscitar a confiança dos empresários e levá-los a investir mais, promovendo o crescimento económico.

Mas essa será a excepção à regra segundo a qual a austeridade normalmente trava o crescimento económico. Só que, quando um país ao longo de muitos anos gasta acima dos seus recursos, tapando o buraco com crédito, não há outra solução que não seja mesmo 'empobrecer'. 

Isto é, reduzir o consumo privado e público e também o investimento público (sobretudo quando se exagerou na construção de infra-estruturas, como auto-estradas); o investimento privado cai por força da menor procura e da incerteza provocada pela crise. Foi o que aconteceu em Portugal. E aqui não pode haver discussões semânticas: basta consultar a evolução das contas externas.
 
Não se justifica excluir da austeridade medidas como subidas de impostos e diminuição das prestações sociais, que se concretizaram em França – e bem mais por cá. Como dado positivo, é de salientar que, em Portugal, a maioria das famílias, mais do que o Estado e as empresas, alterou significativamente o seu perfil de consumo face à austeridade. E até passou a poupar mais, com menos rendimentos.

Por isso o aliviar da austeridade, agora e nos próximos tempos, deverá ser gradual e não pôr em causa esse ajustamento realista. Até porque uma nova onda de consumismo iria desequilibrar outra vez as contas externas e assentar em maior endividamento.

Daí que se entenda mal a posição de António Costa, se é que ela existe: por um lado, transmite a ideia de que não prometerá nada que não possa cumprir, se for Governo; por outro, anuncia a reposição dos salários da função pública, o fim da sobretaxa do IRS, o regresso do IVA da restauração à taxa média, etc.

A austeridade também inclui as reformas, que quase sempre implicam incómodos e sacrifícios, pelo menos para os interesses instalados. Os empresários aplaudem a concorrência, excepto quando esta lhes bate à porta.
 
Em França as reformas têm sido poucas. Em Portugal poderiam ter sido mais (sobretudo falhou a reforma do Estado, claro). Mas as reformas são uma das faces da austeridade que podem e devem permitir um maior e melhor crescimento económico futuro.

Claro que a austeridade pode ser injustamente distribuída pela população. E também pode ser excessiva – e foi, em Portugal e sobretudo na Grécia -, dificultando a própria redução do défice orçamental (com recessão baixam as receitas fiscais e sobem as despesas do Estado, como os subsídios de desemprego). A forte quebra do PIB português em 2012 e a rápida subida do desemprego surpreenderam a troika. Uma falha de previsão que não abona a sua competência técnica.