Fogos: preparados para o pior

A Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) garante que nunca esteve tão bem preparada para o combate aos incêndios no Verão e adianta que tem a postos “um dispositivo partindo dos cenários mais desfavoráveis”.

Fogos: preparados para o pior

A garantia é dada pelo comandante nacional da ANPC, José Moura, num ano em que a vegetação cresceu bastante, depois de um Verão com poucos incêndios. Além disso, no último mês de Março bastaram alguns dias com temperaturas elevadas para que deflagrassem múltiplos fogos pelo país. Vários especialistas admitiram ao SOL que o cenário é preocupante e muito dependente das condições climatéricas, sobretudo do vento.

Mas a Protecção Civil diz estar pronta para qualquer situação. “Neste último ano, investiu-se muito em formação, em acções de treino operacional e em diferentes tipologias de equipamento, pelo que em termos de planeamento tudo foi feito para que estejamos o mais bem preparados possível para enfrentar a época de incêndios florestais”, garante o responsável da ANPC (ver texto ao lado).

À GNR – mais exactamente ao Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) – cabe a vigilância da floresta em todas as fases. E as perspectivas são tudo menos animadoras: só este ano, o SEPNA registou em todo o território nacional cerca de 5.000 mil ocorrências de incêndio, mais 3.761 do que em igual período do ano passado.

O organismo já deteve também 22 incendiários – mais 18 do que nos meses homólogos de 2014 – e identificou 320 pessoas, passando 255 contra-ordenações, sobretudo em Leiria (51) e na Guarda (48).

Com estes dados, ainda fora da chamada “época de incêndios”, a questão paira no ar: a pouco mais de um mês da ‘fase Charlie’ – como é conhecida a altura mais crítica, que se estende de 1 de Julho a 30 de Setembro – e depois de um ano com menos incêndios florestais, como será o Verão de 2015?

É difícil de prever, assumem os especialistas. Se o Verão passado foi “o melhor de sempre” – como o designa o comandante nacional da ANPC, tem em conta o “número de ignições diárias (cerca de 170, em média) e de área ardida” (19.900 hectares, desde a fase Alfa à fase Echo, que se estende até Dezembro) – este ano a Protecção Civil está preparada para o pior.

O responsável considera, porém, “redutor” atribuir os bons resultados obtidos em 2014 à meteorologia. “Há todo um trabalho de prevenção e de sensibilização. E também da GNR, que vigia a floresta durante todo o ano. A Protecção Civil trabalha para tudo isto”, lembra José Moura, sublinhando ainda que 92% das ocorrências são resolvidas na fase inicial, ou seja, nos primeiros 90 minutos: “São as que não são notícia”.

Prevenção atrasada

No que diz respeito à prevenção, que estruturalmente cabe ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) ao longo de todo o ano, e também aos proprietários rurais, pouco ainda terá sido feito, consideram os especialistas. “Houve limpeza este ano, mas não tanto quanto deveria. Até porque os proprietários estão sem fundos. A taxa de execução do PRODER [que está a terminar] é baixa”, sublinha Domingos Patacho, coordenador da área das florestas da associação de conservação da Natureza Quercus.

Também o especialista do Centro de Estudos Sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, Xavier Viegas, considera que é necessário “mais cuidado” com a floresta. É fundamental, assinala, “haver uma prevenção estrutural”.

“Há melhorias mas são necessários, por exemplo, mais aceiros principais. Temos os planos feitos, mas o trabalho no terreno está atrasado”, lamenta, acrescentando que “muito dinheiro que vem dos fundos europeus acaba por ser devolvido ou não é gasto como deveria”.

O resultado é que os proprietários acabam por negligenciar a limpeza dos seus terrenos, o que, num país como Portugal, dividido sobretudo em minifúndios com menos de um hectare, pode tornar-se muitas vezes dramático. Cabe às câmaras municipais notificá-los para que limpem os seus terrenos.

Porém, congratula-se José Moura, também há indicadores positivos: no ano passado, o Comando Distrital de Viana do Castelo recebeu 3.500 chamadas de pessoas a perguntar se podiam fazer queimadas.

Apesar de ser ainda prematuro prever como será este Verão em termos de condições climatéricas propícias a incêndios, os indícios não são muito promissores, lamenta Xavier Viegas.

Bastaram poucos dias de temperaturas elevadas, em Março, para os incêndios deflagrarem em vários locais, dando muito trabalho aos bombeiros ainda antes da época ‘alta’. “Temos alguns indícios preocupantes”, assinala o investigador, referindo-se ao facto de ter havido poucos incêndios no ano passado (“o que aumenta a vegetação”) e de o Inverno ter sido chuvoso.

Os outros dois pontos a ter em conta, sublinha o especialista, são o comportamento humano e a meteorologia. “Se tivermos 600 ignições num dia, não há sistema de protecção civil que resista”, explica Xavier Viegas. “Cerca de 300 corporações de bombeiros não conseguem acorrer a 600 fogos. É impossível”.

Também o comandante nacional da ANPC lembra que a “simultaneidade das ignições dificulta imenso a luta contra os incêndios, porque dispersa os meios de que dispõe a protecção civil”. “Se tivermos 600 ignições num dia, como já aconteceu, torna-se dramático”, alerta José Moura.

Meteorologia será determinante

E há que referir um outro agente “determinante” para a evolução dos incêndios este Verão: o tempo. “As variáveis climáticas são determinantes na propagação dos incêndios”, explica o investigador em alterações climáticas Pedro Soares. “Tornam a vegetação mais seca; as temperaturas elevadas ajudam e, principalmente, o vento intenso, sobretudo o de Leste, propaga o fogo”, esclarece.

O problema, considera, pelo seu lado, Domingos Patacho, da Quercus, “é que, se houver condições adversas aliadas à falta de prevenção, as consequências poderão ser catastróficas”. 

Um dos riscos acrescidos, diz por seu lado José Moura, é o facto de os dados de que dispõe a ANPC – que está em contacto permanente com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) – indicar que algumas zonas do país “já estão em seca moderada e outras mesmo em seca extrema”. O que significa que a vegetação está seca, sendo por isso mais fácil de arder.

E a prevenção passa por muito mais do que fazer aceiros: A “arborização do país também faz parte da prevenção de incêndios. Se tivermos monoculturas, à partida será mais difícil combater os incêndios. A forma de combate depende muito do tipo de combustível (árvores) que encontrarmos”, lembra José Moura.

O que tem sido feito de prevenção?

Questionado pelo SOL, o ICNF não esclareceu o que foi feito ou quanto se investiu em prevenção.

Em entrevista ao SOL, a ministra da Agricultura, Assunção Cristas, garantiu, porém, que “a abertura de rede primária de defesa de floresta contra incêndios (os tais aceiros grandes) está toda planeada e tem vindo a ser feita , nomeadamente nas áreas públicas com recurso a um protocolo com o Exército”. Além desta medida, diz ainda a ministra, “faz-se a abertura de mosaicos de gestão de combustível, a rede secundária, ou seja, a a prevenção de uma faixa de protecção à volta das casas e à volta dos povoamentos. Estão no terreno durante o Inverno, quando isso é invisível”.

Apesar da prevenção – a que o comandante da ANPC chama de “vacina” – é necessário que os “antibióticos existam”, para o caso de aquela falhar, explica ainda José Moura. O responsável lembra que o risco associado aos incêndios florestais “não se consegue eliminar”: “Ele está sempre presente perante um inimigo que só ataca”.

sonia.balasteiro@sol.pt