Por que razão as mulheres não têm filhos?

Em entrevista recente ao SOL, respondendo à pergunta «Incentivou os jovens a ‘multiplicarem-se’. Tem noção de que há constrangimentos que dificultam muito essa opção?», a ministra das Finanças – que tem três filhos jovens – respondeu: «Quando as pessoas não têm condições para ter uma casa, quando não conseguem ter um emprego que lhes dê…

Maria Luís Albuquerque tem inteira razão. Os motivos pelas quais as mulheres têm hoje menos filhos não se prendem, a maior parte das vezes, com dificuldades económicas. A Alemanha, a maior potência europeia, é um dos países da Europa com menor taxa de natalidade. E há 50 anos as pessoas viviam muito pior do que vivem hoje e tinham duas vezes mais filhos. 

Mais ainda: no relatório da organização Save the Children, relativo a 2015, Portugal está no top 20 dos 'melhores países para se ser mãe', à frente de Israel, Canadá, Luxemburgo, França, Reino Unido, etc. O ranking tem por base critérios como saúde materno-infantil, nível de educação e bem-estar económico.

Portanto, tiremos de uma vez por todas da ideia de que é por falta de dinheiro que as mulheres portuguesas não têm filhos. Claro que todos conhecemos pessoas que dizem: «Só terei filhos quando lhes puder dar tudo». Mas isso é uma desculpa. Primeiro, porque o 'tudo' é muito relativo. Depois, porque nem é bom para as crianças terem tudo, habituando-se a uma vida fácil. As crianças têm de se acostumar às dificuldades. Uma criança que tiver 'tudo' corre o sério risco de vir a ser muito infeliz – porque não se habituou a sacrifícios nem a lutar pelo que necessitava (ou desejava).  

As razões para a queda da natalidade não são económicas mas outras. A mais importante foi a profunda revolução que se deu na sociedade com a chamada 'emancipação das mulheres'. Há 50 anos a maioria das mulheres portuguesas não trabalhava e hoje trabalha. E o fim da 'mulher dona-de-casa', o facto de as mulheres passarem a ter emprego fora de casa – e muitas vezes longe -, constituiu um poderoso travão à natalidade.

Antes, as mulheres ficavam em casa e o que faziam? Tinham filhos e cuidavam dos maridos. Sendo completamente dependentes destes, que garantiam o sustento da família, não tinham alternativa.

Ora, hoje, as mulheres também trazem dinheiro para casa – pelo que dispõem de maior independência e capacidade reivindicativa. E, trabalhando fora, têm de deixar os filhos em creches ou infantários. 

O afluxo às grandes cidades das pessoas que viviam no campo também contribuiu para terem menos filhos. Não só pela vida mais desgastante. Mas porque na província ainda era habitual a 'grande família', ou seja, pais, filhos e netos coabitarem ou viverem perto. Nas ausências dos pais, os avós tomavam conta dos netos. Mas nas grandes cidades as casas são pequenas e esse tipo de vida desapareceu. A grande família a viver sob o mesmo tecto acabou. 

Depois, há a própria decadência da família.

As pessoas, quando casam, casam-se muito mais tarde. E o casamento tardio arrasta uma maior dificuldade em engravidar. Uma mulher que casa aos 35 anos, e tem o primeiro filho aos 37 ou 38, não pode ter muitos filhos…

Acresce que muitas pessoas já não se casam, decidindo apenas viver juntas. E isso também cria uma situação pouco favorável a terem filhos, porque não garante estabilidade. Aliás, mesmo no caso de casarem, a assustadora quantidade de divórcios a que actualmente assistimos não é de molde a gerar um ambiente confiança. E na dúvida é sempre mais fácil decidir adiar o momento de ter filhos do que o contrário.

Depois há a carreira. Muitas mulheres querem apostar na carreira (mesmo que seja uma carreira sem grandes horizontes) e acham que ter filhos prejudicará esse objectivo. Pensam que serão ultrapassadas nas promoções, nas regalias profissionais, etc. – e às vezes têm razão. Por isso, na dúvida, vão adiando a gravidez. E, quando querem, pode ser tarde de mais.

Isto para já não falar em questões estéticas, que também as há. Conheço mulheres que não quiseram ter filhos com medo de perderem a 'linha'. 

E quando, ultrapassando todos os bloqueios e obstáculos, as mulheres engravidam e têm bebés, sobrevém a tal dificuldade de compatibilizarem o emprego com a família. De manhã, vão a correr pôr os filhos na creche ou no infantário, antes de irem a correr para o emprego; à tarde voltam a correr do emprego para irem buscar os filhos à escola ou ao infantário. Ora isto provoca um stresse tremendo. A angústia de chegarem atrasadas aos sítios, dependentes de transportes públicos à cunha ou imobilizadas no meio do trânsito infernal da manhã ou do fim de tarde, torna aquelas idas e vindas um suplício diário.

Nenhuma das dificuldades que viemos a enumerar é fácil de resolver. As mulheres não voltarão a ser 'fadas do lar'. Nem passarão a casar mais cedo. Os divórcios e as separações não vão diminuir. A maioria das mulheres não abdicará de ter um emprego e uma carreira. As famílias não regressarão ao campo e a 'grande família' não se reagrupará.

Portanto, para que a natalidade não caia ainda mais, há que tomar medidas – não assentes em utopias mas com base na realidade. E na realidade que existe, por muito que alguns discordem dela.

Salvo raras excepções, o período da gravidez é aquele que as futuras mães atravessam mais facilmente. Muitas vão trabalhar praticamente até à véspera do parto. As dificuldades vêm a seguir. É a tal ideia de que perdem oportunidades no emprego – ou a pressão dos patrões para que regressem mais cedo ao trabalho. E, depois, é a luta diária para levar e trazer os bebés de casa para a creche e da creche para casa. Sem falar nos preços das creches – que, esses sim, são muitas vezes proibitivos. Além de que a separação entre as mães e os filhos aos quatro meses de vida é violenta.

Assim, penso que está aqui um dos nós do problema.

Quando eu estava na Impresa, que juntou num único edifício todos os jornais e revistas pertencentes ao grupo, propus que se criasse uma creche para os funcionários – e cheguei a sugerir um espaço específico para esse efeito. É claro que, à primeira necessidade de mais área para uma secção qualquer, o local dedicado à creche foi logo sacrificado.

Isto mostra que a ideia de fazer creches nas empresas ainda não é levada a sério. Mas devia ser. As grandes empresas e os grupos com um número razoável de funcionárias em idade de procriar deveriam ter a iniciativa de fazer creches nas suas instalações. Isso facilitaria imenso a vida às mães (ou aos pais), que não teriam de ir levar e buscar os filhos a outro local, minimizando ainda o impacto da separação, porque poderiam visitar os bebés a meio do dia. E para aquelas que os amamentam, esta solução também seria ideal.  

Recordo que Catarina Vaz Pinto, hoje mulher de António Guterres, quando era subsecretária de Estado da Cultura, tinha o bebé numa salinha colada ao seu  gabinete no Palácio da Ajuda – e interrompia reuniões para lhe ir dar de mamar. E uma vez, no Funchal, uma juíza interrompeu um julgamento em que eu participava para ir amamentar o filho. Há algum mal nisso?

Muitas outras medidas poderão ser encontradas. Mas só esta de as grandes empresas, os grandes grupos, os principais meios de comunicação social, os ministérios, os complexos industriais, etc. terem creches próprias seria um enorme avanço. Claro que, para os incentivar a fazerem isso, o Estado teria de dar algum contributo, eventualmente benefícios fiscais. Mas seriam benefícios fiscais bem empregues, contribuindo para um objectivo nobre. Ajudariam à natalidade – e contribuiriam para as mães, os pais e os bebés serem mais felizes. 

jas@sol.pt