Obama dá lições a África

Foi uma semana de estreias para Barack Obama: primeiro Presidente dos EUA a visitar o Quénia e a Etiópia, numa viagem iniciada na sexta-feira passada que se concluiu esta terça-feira; primeiro a discursar na sede da União Africana (UA), em Addis Abeba; primeiro a criticar, no quartel-general da organização que agrega 54 países do continente,…

Obama dá lições a África

Lição 1: poder eterno

Num continente onde figuras como o angolano José Eduardo dos Santos e o equatoguineense Teodoro Obiang lideram os seus países há 36 anos, com Robert Mugabe ao leme do Zimbabué há 35, Obama alertou: “Ninguém devia ser Presidente para a vida”, sublinhando que no fim do mandato os líderes devem sair – pelo próprio pé.

“Não percebo porque é que as pessoas querem ficar tanto tempo, especialmente quando têm muito dinheiro”, interrogou-se, perante aplausos de incentivo nas galerias.

Lição 2: corrupção

Dinheiro leva a corrupção, que leva a outra enfermidade em África. Este “cancro da corrupção” desvia fundos de “milhares de milhões de dólares” que deveriam ser usados para desenvolver cada país e melhorar a vida dos cidadãos – e fazer África avançar.

Lição 3: violência

Na mira de Obama estiveram ainda os líderes do Sudão do Sul, país que desde Dezembro de 2013 se digladia entre as forças leais ao antigo vice-presidente Riek Machar e ao Presidente Salva Kiir. O Estado mais jovem do mundo – tornado independente em 2011 com o apoio dos EUA – mergulhou no “desespero da violência. Nem Salva Kiir nem Riek Machar mostraram até agora qualquer interesse em poupar o povo deste sofrimento ou em chegar a uma solução política”. Esta tem um prazo: dado por Obama e pelos líderes da região que se reuniram na segunda-feira: 17 de Agosto.

O “progresso democrático” do continente está em risco, avisou o Presidente, quando se tenta mudar as regras a meio do mandato, com resultados como o do Burundi, em que o PR Pierre Nkurunziza foi a votos pela terceira vez, com a violência a explodir no país.

Lição 4: liberdade

Ou quando a democracia não sai do papel – porque se permite “atirar jornalistas para trás das grades por fazerem o seu trabalho e ameaçar activistas numa repressão de governos sobre a sociedade civil”. O tema da liberdade (ou falta dela) já tinha sido abordado por Obama numa conferência de imprensa ao lado do primeiro-ministro etíope. Mas Hailemariam Desalegn descartou-se na ocasião, sublinhando que a Etiópia precisava de “jornalismo civilizado” e não de jornalistas ligados a “grupos terroristas violentos”. Devem ser a maioria porque diz o Comité para a Protecção dos Jornalistas que o país é o segundo que mais jornalistas prende, atrás da Eritreia. A Etiópia – forte aliado dos americanos na luta contra o extremismo islâmico, com milhares de tropas na Somália – perfila-se com o autoritarismo de um Governo que tem 100% das cadeiras do Parlamento.

Lição 5: mulheres e gays

Na repetição de outras lições dadas ao longo da visita de cinco dias, o discurso de Obama na sede da UA regressou à questão dos direitos das mulheres. “África são as belas e talentosas filhas, que são tão capazes como os filhos de África”, referiu, criticando a mutilação genital feminina, os casamentos precoces, a violência contra as mulheres – tal como tinha feito dias antes na visita ao Quénia. Nesse domingo em Nairobi, Obama pegou nesses velhos costumes e rasgou-os em pedaços: “Estas tradições podem existir há séculos, mas não têm lugar no século XXI”.

Ainda em Nairobi, onde tinha chegado na sexta-feira, o PR norte-americano foi espectador (e protagonista) da Obamamania: cartazes e pinturas a dizer ‘Bem-vindo a casa’ receberam-no – o pai era queniano, tendo ido estudar para a América, onde se casou com a (futura) mãe de Obama.

As raízes – o sangue – não o impediram de esclarecer a posição quanto aos direitos dos homossexuais, no continente mais homofóbico do planeta (relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são ilegais em 36 países africanos). “A ideia de que vão ser tratados de forma diferente ou sofrer abusos por causa de quem eles amam é errada, ponto final”, rematou Obama.

O homólogo queniano encaixou, na conferência de imprensa conjunta, reconhecendo: “Há algumas coisas que temos de admitir que não partilhamos”, respondeu Uhuru Kenyatta, a menorizar o tema. “Não é verdadeiramente um problema na mente dos quenianos”, acrescentou o PR, sobre quem recaíam acusações de crimes contra a humanidade, após a violência étnica que se seguiu às eleições (com o caso recentemente arquivado).