‘Não é impunemente que um partido concorre a eleições com um ex-líder preso’

O sociólogo António Barreto acredita que os portugueses devem cobrar medidas firmes em relação à Europa, à Justiça e à Constituição nas próximas eleições. Duvida que o PS tivesse feito uma governação diferente e critica alguns cortes, feitos “muito a eito, porque era mais fácil”.

Como é que assiste ao facto de pela primeira vez Portugal ter um ex-primeiro-ministro preso?

Acho que é terrível. Não sei qual vai ser a solução, nem onde está a razão e deixa de estar, vamos ver o que vai acontecer quando houver uma sentença, quando houver um julgamento, se houver. Espero que haja, porque senão o descalabro ainda é maior. Há ainda três ou quatro membros de governo que estiveram presos, que estão a cumprir pena, ou que estão em pena suspensa ou que estão à espera do recurso, há vários secretários de Estado, há vários banqueiros, há muita gente da elite política e da elite financeira que está com casos gravíssimos do ponto de vista das acusações de que se fala. É mau ter acontecido e é mau também haver processos que estão a durar há tempo demais, com um espectáculo em que se oferecem fugas de Imprensa e quebras do segredo de justiça. 

E o facto de termos um ex-primeiro-ministro preso pode determinar as eleições de 4 de Outubro?

Estou convencido que sim. Não é impunemente que um partido concorre a eleições e tem um antigo secretário-geral e um ou dois ministros presos. Mesmo que os adversários não o digam publicamente – acho que é elegante estarem a fazer campanha eleitoral e não estarem a dizer todos os dias que fulano de tal está preso -, mas pensam e dizem uns aos outros em voz baixa.

Quando chegar o momento de os portugueses exercerem o seu poder de voto, o que devem ponderar?

Eu não tenho uma noção muito mística da sociedade. A resposta que me apetece dar em primeiro lugar é que façam o que quiserem. Não sei se vai haver mais ou menos abstenção, ou se estão a sentir que os perigos são cada vez maiores e que talvez seja necessário votar. Há dois anos, não tinha dúvida nenhuma de que o PS ia ganhar as eleições e que tinha que resolver o problema de ter maioria absoluta ou não, ou fazer uma coligação com a esquerda ou com o PSD. Mas hoje já não sei quem ganhará as eleições, por causa das prisões, do mau comportamento da coligação e do Governo. Mas também, nos últimos meses, por causa dos resultados económicos mais favoráveis, que recompuseram o quadro negativo. Portanto, hoje já não sei como vão reagir. Se os portugueses pudessem dar um recado à elite política era ‘entendam-se sobre estes três casos importantes: a Europa, a Justiça e a Constituição e eventualmente a Segurança Social’.

E qual poderá ser a intervenção do Presidente da República (PR), já com os seu poderes mais condicionados uma vez que estará em final de mandato?

Nenhuma. Acho que ele deveria ter dito há 10 anos, na campanha eleitoral para a primeira eleição, que não daria posse a governo minoritário nenhum.

Era o momento certo para impor condições?

Há 10 anos, agora não. Não faço a mínima ideia de quem será o próximo Presidente. Continuamos esta espécie de coreografia, estes jogos em que toda a gente quer ser e depois diz que não quer ser. Cada vez tenho mais a sensação, desde a presidência de Mário Soares e depois de Jorge Sampaio, que a figura do PR tem um grande significado simbólico no voto do povo, mas depois não tem poderes nenhuns. 

sofia.rainho@sol.pt