António Barreto: ‘Há hoje um grande político, a sra. Merkel’

Entre os políticos europeus, António Barreto destaca a chanceler alemã pelo exercício efetivo do seu poder.

E acha que há hoje um défice de políticos verdadeiramente capazes de mudar o mundo? Quando olha, por exemplo, para a nova geração de políticos nacionais, vê alguns que possam vir a ser grandes líderes?

Isso não sei, não conheço suficientemente os jovens políticos, cá ou lá fora. Não partilho muito esta ideia de que hoje já não é como antigamente, antigamente é que havia bons políticos, o Churchill, o Roosevelt, aquelas coisas que se dizem para encher o coração. As circunstâncias são muito diferentes. A decisão política há 50 anos era importante. Dela dependiam a guerra e a paz, o crescimento económico ou não, muita coisa. Hoje, os sistemas económicos e sociais geraram as suas próprias regras, os políticos são de decisões menores ou são gestores. A palavra mais fina para a política actual é gestão. O bom gestor é o que vai a Bruxelas semana sim semana não, assina uns papelinhos, discute se é 3% ou 3,1%, depois vem para Portugal e vai discutir qualquer coisa relativa ao preço da batata, e depois vai discutir se deve ou não haver ventoinhas eólicas para fazer electricidade, etc.

E na Europa?

Hoje em dia, há aparentemente um grande político que é a sr.ª Merkel, que tem muito poder e que manda porque a circunstância dela é ter muito poder e exercê-lo. Portanto, não creio que seja o fim da política e dos políticos. Hoje, as circunstâncias políticas são tais que se pede aos políticos que sejam bem comportados, meros gestores da coisa pública e do que está estabelecido. E os outros que podiam ser melhores vão para a outra vida – vão para a economia, vão ganhar dinheiro, vão ser intelectuais, deputados, vão para a Ciência, ou seja, para o que for. Estamos a chegar a tempos novos em que vai ser pedido aos dirigentes políticos que assumam altas responsabilidades, que corram riscos (de vida até, se for preciso) e que tomem decisões.

Uma das suas grandes paixões é a fotografia. Se pudesse tirar um ano da sua vida, para onde iria e o que gostaria de fotografar? E quem?

Ia refazer Portugal de ponta a ponta. Hoje, tenho uma dificuldade: em muitos sítios, a minha cara é conhecida por causa da televisão e da política e não é bom fotografar sendo conhecido. Outra coisa que eu gostaria de fotografar são os sítios onde ainda não fui. No ano passado fui à China, nunca tinha ido. Gostava de atravessar a Sibéria, atravessar a Rússia de ponta a ponta. Gostava também de fazer uma viagem de comboio que eu creio que começa na Cidade do Cabo e vai até à Tanzânia ou a Nairobi, atravessa vários países africanos e é absolutamente fantástica. Gostava de atravessar a Austrália de comboio… De comboio, já atravessei os Andes todos, desde o cimo do Peru à Bolívia e ao Chile, uma pessoa tem que sair numa estação e só recomeçar no dia seguinte para conhecer e fazer fotografias. E já atravessei as Montanhas Rochosas, nos EUA.

Quais são os seus hobbies de eleição, além da fotografia?

Música, cinema, livros, séries de televisão… Passou-se qualquer coisa nesta vida do cinema e das artes interessante. O cinema hoje já não é o que marca a indústria, a cultura e a imagem do momento, agora é a televisão. E dentro da televisão são as séries. Por exemplo, agora todas as noites estou a acompanhar a Newsroom, que é absolutamente fabulosa. Posso aconselhar através de si todos os jornalistas portugueses, sobretudo os de televisão, a verem a série de cima a baixo, os 30 episódios que já saíram, o que é e como funciona uma redacção de televisão, todos os critérios de deontologia, seriedade, isenção, de independência, de profundidade, de rigor, que são discutidos de manhã à noite em cada episódio. O formidável que é ver discutir, a propósito de qualquer coisa – desde o par de sapatos do candidato a deputado ao o relógio que usou uma senhora que era de um filme e ia entrar num sítio e falar com um escritor que estava num bar -, os problemas deontológicos, políticos, sociais, a contra-parte, o comentário, o pluralismo, a isenção, a ligação ao poder económico e ao poder político e a ligação dentro da redacção. Gostava que os nossos canais de televisão tivessem estas discussões entre eles todos os dias.

sofia.rainho@sol.pt