Passos vs Costa: Um despique de conteúdo e de forma.

Aqueles que, tal como eu, achavam que o debate de ontem iria servir para, inequivocamente, esclarecer a maioria dos indecisos, enganaram-se.

Na verdade, depois de ontem, quem pensava em votar em Passos vai fazê-lo sucedendo-se o mesmo com Costa. Sobretudo porque o que assistimos foi um despique de conteúdo e de forma. Se é verdade que, naqueles que são os padrões telegénicos do comentário político, António Costa levou a melhor, não é menos verdade que coube a Passos o domínio do conteúdo na justificação da ação do seu governo e das propostas que preenchem o seu programa eleitoral.

Claro que, para aquilo a que estamos habituados em termos de debate televisivo a experiência de António Costa, nesse território, foi suficiente para que na forma se tivesse destacado. Resta saber se o cidadão mais distante da clubite partidária considera isso um pergaminho essencial ao seu esclarecimento. Não tenho isso como liquido. Aliás, não foram poucas a vezes que esse excesso de experiência que Costa revelou roçasse a arrogância, a prepotência e até algum menosprezo pelo seu interlocutor. E isso notou-se.

Já no conteúdo, Passos Coelho mostrou que conhece os dossiers e que continua a preferir a autenticidade e a verdade do seu caminho em razão de alguma demagogia e facilitismo. Em bom rigor quem, dos seus apoiantes, achava que no debate surgiria um novo Passos também se enganou. Porque Passos foi igual a ele próprio. E estranho seria se não fosse mesmo assim.

Passo desmistificou bem a questão do fantasma do corte de 600 milhões nas pensões. O compromisso não fala em nenhum corte diz aliás, transcrevo, “Introdução de uma medida para a sustentabilidade da Segurança Social”, naturalmente com seriedade não se pode retirar desta expressão um sinónimo de corte. Esteve bem igualmente quando, ainda sobre esta matéria, tornou público que tentou encontrar com o PS, ainda que sem sucesso, um entendimento para reformar a SS. Como esteve bem a defender o crescimento económico de Portugal obrigando Costa a cometer a gaffe em dizer que tinha sido o PSD a chamar a Troika.

No que diz respeito aos três grandes temas lançados para cima da mesa (Crescimento Económico, Segurança Social e Carga Fiscal) ainda que com demasiadas interrupções, e por vezes incompreensíveis, dos moderadores aos candidatos, Passos foi aquele que melhor soube explicar as suas medidas. Costa fugiu muito a esse confronto. Optou por recorrer à técnica dos gráficos e das acusações, já batidas e até mesmo desmentidas, às políticas prosseguidas pelo Governo.

A bem da verdade, não existe ninguém (tirando os indefetíveis para quem tudo foi esclarecido) que possa dizer que Costa tenha respondido eficazmente de que forma vai criar mais crescimento, de que forma vai diminuir o desemprego, de que forma vai assumir os compromissos do Tratado Orçamental, de que forma e como compensará o equilíbrio das contas públicas com a redução da carga fiscal, assim como não conseguiu explicar como funcionará o modelo de sustentabilidade da segurança social que propõe. Até na saúde a única coisa que ficou da intervenção de Costa foi a escolha do “pai do SNS” para mandatário.

Pouquinho para quem na maioria dos estudos de opinião disputa em empate técnico a eleição com um dos governos cuja missão foi talvez a mais difícil dos últimos 41 anos. Costa falou várias vezes das suas heranças pesadas e dos feitos na Câmara Municipal de Lisboa e ficou visivelmente irritado quando confrontado com a ajuda do governo nessa matéria. Foi por de mais evidente, e deixou Costa sem margem para uma explicação contrária a esta realidade.

Aliás esse foi o maior problema de Costa no debate. Quando confrontado com a realidade dos factos e dos números (foi assim com a divida da CML, com o desemprego e com o crescimento económico) Costa atacou recorrendo, não poucas vezes, a insinuações que não se esperam de um candidato a Primeiro-Ministro. Ainda que, aos olhos da disputa televisiva, tenha cumprido os objetivos que por certo levou para o debate. Mas, repito, não sei se isso é bom ou se aumenta as suas chances junto dos indecisos.

A parte final do debate foi entanto a mais esclarecedora. Por incrível que isso possa parecer. E é muitas vezes nos pormenores que as situações mudam. Se tínhamos a sensação que Costa tinha estado mais ao ataque e Passos mais à defesa há, na parte final do debate, uma alteração evidente não só nos estilos como também na visão e na forma como cada um deles encara o futuro do nosso país.

Se para Passos, questionado sobre o dia seguinte às eleições, “o que interessa é o superior interesse do país”, para Costa “o que interessa é que o PS ganhe”. Ora por muito melhor que se esteja no ataque são os pormenores que revelam ao que realmente se vai. E desse ponto de vista o debate foi esclarecedor.