O espetáculo da política

Um debate televisivo, com impacte garantido, deveria ter sido aproveitado para elucidar o País sobre aquilo a que se propõem os dois putativos candidatos a primeiro-ministro. Não foi o que aconteceu no confronto entre Pedro Passos Coelho e António Costa. Na rádio houve outro cuidado de ambos.

Dizê-lo hoje, com a campanha na estrada, poderá parecer um caldo requentado, na ressaca de uma gincana negocial que viabilizou os encontros, em direto, dos líderes dos partidos com assento parlamentar. António Costa precisava deles como do pão para a boca. Passos Coelho nem por isso.

Sem querer ser desmancha-prazeres, foi penoso ver jornalistas de topo das três televisões, remetidos, quase, à figura de corpo presente. Na rádio, os jornalistas tiveram outra fibra. E preparação.

A escolha do Museu da Eletricidade como palco, serviu, talvez, para reforçar a ideia subliminar da ‘alta tensão’, num "espetáculo (…) caótico e repetitivo, que não esclareceu ninguém", como observou Vasco Pulido Valente.

Para interiorizar essa encenação de ‘espetáculo’ em muito contribuíram as promoções em antena, que incluíram os três entrevistadores, apresentados no melhor estilo de reality show. O mote estava dado. E os ‘artistas’ não se fizeram rogados.

Porém, da representação espremida, é de duvidar que alguém dos 3,5 milhões de espetadores de audiência estimada, tenha retirado, no seu juízo perfeito, alguma conclusão luminosa sobre aquilo que um futuro governo nos reserva.

Ficou-se na mesma, embora os prosélitos de António Costa tenham festejado, talvez para se aliviarem do desânimo que já contagiava a caravana.

Como suplemento de alma, os painéis do costume, com o habitual sortido de ‘comentadores’, consolidaram a reanimação da (dividida) família socialista. Nada que surpreenda.

Definitivamente, o ‘treino’ de bancada no futebol serve à maravilha a moldura conceptual da análise política. As competências acumuladas de alguns ‘especialistas’ facilitaram a contaminação. A futebolização da politica parece imparável.

Com autoridade e zelo, os ‘comentadores’ entretiveram-se a dissertar sobre quem ganhou e quem perdeu, quem esteve ao ataque e quem esteve à defesa, quem foi tático, quem fintou, enfim, quem marcou o terreno. Do país raramente se falou. Seria uma maçada.

Resta apurar se o instinto coletivo embarca em algazarras e soundbites, ou se opta, na hora do voto, pelo bom senso. Mas essa ‘resposta somente a teremos a 4 de Outubro.

Costa andava caído, com sondagens desmoralizadoras, sentindo à sua volta as hostes a perderem gás. Precisava de recuperar o elã. Para dentro do PS e para fora.

Por isso, cedo adotou, no primeiro frente a frente com Passos, a insolência como dispositivo estratégico e, numa pirueta, resolveu empurrar a troika para o colo do PSD. Não foi sério.

Na roda de amigos que reuniu na prisão domiciliária, Sócrates deve ter gostado da performance.

Aliás, a insolência ganhou estatuto nesta pré-campanha, e tem trazido uma razoável crispação ao ambiente, por muito que isso custe a Cavaco.

No embate televisivo, Passos Coelho convenceu-se de que deveria apresentar-se impassível e distante. Corrigiu na rádio.

Um erro de palmatória que não repetiu. O tribuno fluente que se impôs no Parlamento – e o mesmo homem que levou Sócrates ao tapete há quatro anos –, pareceu ausente diante das camaras. Recompôs-se perante os microfones no segundo round.

Passos só não perdeu o debate televisivo, porque este simplesmente não existiu. Mas perdeu uma boa oportunidade e tropeçou na armadilha, quando estava a gerir bem as expectativas e a subir nas sondagens em velocidade de cruzeiro.

Na peugada de Costa, a bloquista Catarina Martins – entretida a perseguir a sombra de Mariana Mortágua – foi tudo menos amável para com Passos Coelho.

Fugiu do desastroso governo do Syriza como o diabo da cruz. Nem uma palavra para a irresponsabilidade de Tsipras, que mergulhou a Grécia no terceiro resgate e em mais austeridade.

Catarina vive agora em estado de assombramento com Tsipras, tal como Costa se sentirá exposto às contingências de Sócrates. São fantasmas que os perseguem.

Esgotada a aventura grega e com novas eleições em Atenas, o PS e o Bloco temem que os eleitores portugueses se apercebam que o alvoroço de há meses foi chão que deu uvas. Enquanto namoram a maioria de esquerda.

Em vez de falar para os indecisos, Passos Coelho subestimou as artes e as manhas de Costa, repetindo-se perante uma Catarina pespineta.

Os indecisos não apreciam as falas mansas. E, havendo dúvida, precisam que o regente da freguesia os convença do caminho. Paulo Portas já entendeu isso. Passos Coelho recuperou na rádio da saída em falso. Quando se aceita subir ao ringue não se atira prematuramente a toalha ao chão.