O partido das sondagens

À beira de eleições, as sondagens constituem, em regra, um animado exercício de adivinhação sobre o estado de alma dos nativos antes destes se dirigirem ao local de voto e exprimirem uma esperança, uma convicção ou apenas um manifesto desapontamento.

Depois do famoso fiasco dos institutos britânicos especializados na matéria, que não previram a vitória histórica dos conservadores – repetido, agora, pelos seus congéneres gregos –, seria de esperar uma atitude mais prudencial por parte das empresas portuguesas no mercado.

Porém, basta ler as fichas técnicas – de publicação obrigatória –, para se instalar a dúvida sobre a fiabilidade de algumas conclusões, desde logo perante a margem de erro assumida. Não admira, por isso, que haja sondagens para todos os gostos. E extrapolações contraditórias, consoante o meio que as publica ou difunde.

Insiste-se, por exemplo, na recolha das amostras através dos lares dotados com telefone fixo.

Ora, basta reparar na magreza das listas telefónicas – apesar dos esforços das operadoras para aditivarem o fixo – para confirmar que este foi irreversivelmente ultrapassado pelo móvel.

Sabe-se que há perto de 17 milhões de telemóveis operacionais em Portugal, em contraste com a decadência do telefone fixo, que sobrevive com uma quota minguada e resiste mal à assanhada concorrência. Percebe-se ser esse o primeiro grande entorse à eficácia das sondagens.

Observe-se, depois, a dimensão da amostra. Em muitos casos, não vai além das 500 a 700 entrevistas validadas. Os custos falam mais alto.

Outra questão é a forma como os questionários são elaborados e descodificados os resultados. Claro que as empresas de sondagens costumam proteger-se, atribuindo a interpretação dos resultados aos media que os divulgam. E têm alguma razão.

Menos falíveis no intervalo de confiança são as sondagens efetuadas presencialmente, com simulação de voto em urna.

Estão prometidas algumas até às vésperas das eleições, juntando televisões e jornais. Mas conta muito, também, para a sua representatividade, o universo dos inquiridos e o equilíbrio da sua distribuição geográfica.

Descontados os votos falseados de quem não se ‘confessa’ – ou de quem gosta de ‘baralhar’ a análise do trabalho de campo –, mesmo assim é o método mais confiável para aferir dos humores do eleitorado.

Em qualquer caso, e com estes pressupostos, a leitura das sondagens deveria aconselhar, aos media e aos partidos, uma atitude reservada, sem embandeirar em arco consoante as preferências.

Mas não. Os partidos e os media aprenderam que há um eleitorado flutuante que gosta de votar no presumível vencedor, e que se deixa influenciar pelos inquéritos e pelas manchetes da imprensa. Na coreografia politica, as sondagens passaram a desempenhar uma função instrumental.

De momento, o que sobressai como ‘tendência’ na floresta de sondagens é o ‘empate técnico’ entre o PS e os partidos da coligação.

Razão bastante para os politólogos de serviço se interrogarem sobre o futuro próximo, incluindo desvairadas hipóteses para apimentar as alianças pós-eleitorais.

Num ponto parece haver unanimidade, pelo menos, entre os constitucionalistas: o Presidente deve convidar a formar Governo quem tiver mais deputados eleitos.

Quanto à governabilidade da solução, temos garantido o impasse na hipótese da coligação ganhar sem maioria, uma vez que António Costa, patrioticamente, se declarou indisponível para viabilizar o Orçamento do Estado, ou para discutir à mesa o futuro de Segurança Social.

As alternativas são a maioria absoluta – para um dos lados –, ou a maioria de esquerda, partilhada pelo PCP, o Bloco e as várias franjas de dissidentes, à qual o eleitorado entregue amavelmente a gestão do país, recém-saído de grandes aflições.

Dizem os entendidos que os comunistas estão a crescer e que, sendo necessário, poderão viabilizar essa maioria. Jerónimo já se pôs a jeito, mas veio refutar há dias, candidamente, que tenha o PS «na mão». E explicou que era «um exagero», excluindo a possibilidade de «com o nosso resultado, fazer pressão sobre quem quer que seja».

Um dos mistérios da política portuguesa é, precisamente, a sobrevivência do PCP e da sua capacidade de mobilização, enquanto foram varridos da Europa os principais ‘partidos irmãos’.

Entrincheirado nos sindicatos – e sem abdicar da sua ortodoxia –, o PCP tem conseguido ser um dos beneficiários das consequências austeritárias, impostas pela herança dos últimos governos do PS. E pela fragmentação do Bloco e de outros movimentos radicais. E acaba por parecer ‘bem comportado’ e adversário da desordem.

Daqui até 4 de outubro, com a campanha renhida na estrada, o partido das sondagens tem a palavra. Depois se verá…