As falácias da campanha

A 48 horas da ‘grande sondagem’ que vai decidir sobre o futuro próximo dos portugueses, o que fica do ruído de campanha – desde as caravanas coloridas aos banhos de multidão, com muita gente aliciada e protestos organizados -, até aos soundbites treinados para provocar desgaste no adversário e a gula dos media?

Convenhamos que sobeja pouco. A mais-valia das campanhas eleitorais – onde se derrete muito dinheiro -, é sempre uma nebulosa. Quantos eleitores indecisos fazem depender o seu voto de um comício, de uma arruada, de um outdoor ou de ‘afetos’ avulsos nas feiras e mercados?

No momento de votar, qual será o pensamento dominante na cabeça do eleitor? Antes de apostar na continuidade ou na mudança, há de refletir na memória dos benefícios ou dos sacrifícios passados, na pertença de grupo, na estabilidade, e no futuro de uma Europa incerta – atravessada de refugiados, de nacionalismos e de radicalismos – da qual, estranhamente, mal se falou.

É desse balanço interior que o eleitor retira o sentido de voto, prévio ao gesto de pôr a cruz no boletim.

Claro que não faltarão os votos de protesto – brancos e nulos -, e a abstenção, essa renúncia a um direito de cidadania, que é tão sinónimo de desencanto como de preguiça.

É tudo isso que nenhuma sondagem poderá aferir, na frieza matemática dos números. Na melhor hipótese, assinala tendências, cuja lógica às vezes é equívoca.  

Passos Coelho tem a seu favor a melhoria das contas públicas, a redução do défice, os juros da dívida em mínimos impensáveis, e a confiança dos consumidores em alta, a par da evolução positiva dos depósitos bancários. Os dados divulgados pelo INE são um rude golpe na austeridade que o PS empunhou como bandeira.

Por seu lado, os indicadores revelados pelo Banco de Portugal reforçam a ‘boa onda’ da coligação: em julho, segundo a revista Visão, os depósitos à ordem superavam os 36 mil milhões de euros – um montante nunca alcançado desde 1989, o primeiro ano de que há registo. Entre contas à ordem e a prazo, os depósitos bancários dos portugueses atingiram, no mesmo mês, 137,8 mil milhões de euros. Impressiona. 

Entretanto, o crédito concedido pelos bancos disparou: casas, automóveis e outros bens de consumo. Há cinco anos que não se consumia tanto – anunciava o SOL em título. Só em Julho o crédito aumentou 25% face a igual mês do ano passado.

Neste mandato, Passos Coelho ganhou ainda uma outra dimensão com duas crises que o puseram à prova: a famosa demissão “irrevogável” de Paulo Portas e a recusa ao todo-poderoso Ricardo Salgado, quando este o procurou para ser ‘fiador’ do desastre do BES, que trazia escondido no bolso. Precisou de frieza e nervo. E teve ambos. Não soçobrou. Surpreendeu e ganhou um estatuto próprio. Não foi pouco.

Com o sistema financeiro ainda não refeito do crédito mal parado, estarão os portugueses já esquecidos da lição e outra vez em roda livre, viciados no consumo? Ou será antes um sinal da confiança recuperada?

A conjuntura parece ser madrasta para António Costa. Confiava num andor, louvado por cânticos e novenas, em procissão até São Bento. Afinal, os paroquianos sacodem alegremente o pó da austeridade e investem com proveito. A assombração de Sócrates nas suas aparições fez o resto.

Desde que António José Seguro foi sumariamente apeado, a auréola messiânica de Costa perdeu-se algures, num percurso errático e contraditório.

Vestido de líder, apoiou, frenético, a primeira vitória de Tsipras e tratou-o por “tonto” meses depois. Com a repetição da vitória do Syriza no domingo, Costa recuou nos elogios e emudeceu perante a decadência do Pasok, os socialistas gregos.

E à medida que sente o chão fugir-lhe, queixa-se dos jornalistas – apesar de tê-los na família mais próxima – e não dissimula o mal-estar. Mesmo assim, tem contado com não poucas cumplicidades em alguns media, influentes e descaradamente manipuladores. 

Ao invés de pedir desculpa aos portugueses pelos erros e desmandos cometidos durante a governação socialista, Costa atribui todas as desgraças aos partidos da coligação, sem nunca se demarcar dessa vertigem que pôs Portugal na órbita da falência.  

Foi buscar ao sótão velharias socráticas, como Ferro Rodrigues, rodeou-se de rostos gastos, e saiu para a estrada com argumentos improváveis. Saiu-se mal nas pensões e na Segurança Social. E falou no colapso do BES para criticar o supervisor e o Governo em vez de Ricardo Salgado.

Nesta bipolarização – PS versus coligação PSD/CDS -, qual deles poderá cativar o voto útil dos indecisos, que já perceberam que não há almoços grátis?

Pelo destempero das esquerdas nos últimos dias – com Freitas do Amaral ‘ressuscitado’ -, a resposta está (quase) dada. As falácias têm perna curta.

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 02/10/2015