‘Santo’ Vladimir joga em vários tabuleiros

Em dia de aniversário Putin mostra músculo e pontaria. Tem um plano para o Médio Oriente, que não contempla terroristas nem ocidentais.

‘Santo’ Vladimir joga em vários tabuleiros

O Presidente da Rússia faz 63 anos e como comemora a data? Primeiro com uma transmissão televisiva do encontro com o ministro da Defesa Sergei Shoigu sobre o ataque lançado por quatro navios fundeados no Mar Cáspio e que lançaram 26 mísseis de cruzeiro contra alvos a 1.500 quilómetros. «O facto de termos atingido todos os alvos demonstra o bom trabalho realizado pelas fábricas de armamento e competência do pessoal (militar)», elogiou. Mas o regozijo e a propaganda passaram em breve para um outro nível.

Em Sochi, onde os russos investiram biliões de rublos nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, Putin foi a estrela de um jogo de hóquei em gelo. A sua equipa ganhou 15-10 e o chefe de Estado marcou nada menos que sete golos à equipa adversária, que incluía o ministro da Defesa e os amigos oligarcas Gennady Timchenko e Arkady Rotenberg, ambos visados pelas sanções da UE e dos Estados Unidos pelas ligações ao líder russo por causa da anexação da Crimeia.

Longe estão os tempos de contestação que Vladimir Putin (e Dmitri Medvedev) sofreu, entre o final de 2011 e 2012, na sequência da candidatura para regressar ao Kremlin bem como os resultados eleitorais que se sucederam. Uma cadeia de acontecimentos (e de perseguições, como as operadas a Alexei Navalny ou às Pussy Riot) enfraqueceu a oposição e voltou a colocar Vladimir Vladimirovich Putin como um czar, o homem mais poderoso do mundo, como foi distinguido pela Forbes em 2013.

Além da faraónica obra em Sochi, avaliada em 50 mil milhões de dólares, dá-se a queda do aliado ucraniano Viktor Ianukovich após ter recusado assinar o acordo de associação com a União Europeia. Do Governo saído dos protestos do Euromaidan a primeira medida foi tornar o ucraniano a única língua oficial. Apesar de prontamente revertida, a medida assustou o leste da Ucrânia e a Crimeia; rapidamente os protestos lavraram em Donetsk, Lugansk ou Simferopol. E Putin aproveitou a onda para patrocinar o movimento pró-russo, de tal maneira que tomou a Crimeia de forma quase pacífica.

Ao retomar o local que fora a sede da frota do Mar Negro desde 1783, o líder russo resolveu o problema do aluguer da base naval, afastou a NATO da Ucrânia e retomou território imperial. «Território sagrado», pois foi aí que Santo Vladimiro foi batizado, como Putin já fez questão de comparar com o Monte do Templo em Jerusalém.

Trocar o judo pelo xadrez

É também uma jogada a vários níveis, a da Síria. O líder russo gosta de praticar judo, mas aqui arrisca-se num complexo xadrez. Num primeiro nível, o Kremlin quer honrar a aliança assinada em 1971 com Hafez al-Assad. «Não desistimos dos nossos amigos», comenta à Newsweek Alexei Makarin, vice-diretor do think-tank Centro de Tecnologias Políticas. Há outra razão para Putin ter jogado desta forma. É que não esquece o que sucedeu a Kadhafi e como se sentiu traído pelos países ocidentais quando acedeu a que fosse acionada a zona de exclusão aérea na Líbia. Essa limitação foi o princípio do fim do ditador líbio e o mergulhar no caos daquele país do norte de África. Desta vez foi a Rússia que impôs, na prática, uma quase exclusão aérea na Síria, mas à coligação.

Do ponto de vista russo, tem mais legitimidade apoiar o regime do que fazer parte de uma coligação como a liderada pelos Estados Unidos, que não tem o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas. E depois há o facto de Damasco ser um cliente de armamento russo – um cenário que poderá ser brevemente ampliado, com a venda de armas ao Irão.

Em termos estratégicos, interessa a Moscovo regressar ao Médio Oriente, mantendo a base naval de Tartus, e apoiado numa aliança com Síria, Iraque e Irão, mas também mantendo boas relações com o Egito. E, por fim, mas não menos importante: ao devoto Putin (a relação entre Estado e Igreja ortodoxa é cada vez mais estreita) agradar-lhe-ia especialmente ficar com os louros de quem salvou os cristãos ortodoxos do Médio Oriente.

cesar.avo@sol.pt