O cardeal e a função das mulheres

O Vaticano é um Estado, pequenino, mas um Estado. Daí o facto de, em tempo de austeridade e de crise, o ministro dos Negócios Estrangeiros português se ter deslocado a Roma para assistir à elevação aos estatuto cardinalício de D. Manuel Monteiro de Castro.

portugal passou a ter três cardeais – titularam durante a semana passada alguns jornais.

ignorante que sou dos detalhes hierárquicos da igreja, pensava que os cardeais eram sempre bispos, com umas vestimentas mais exóticas do que as dos bispos normais. sabia, também, que só os cardeais podem eleger o papa.

com a projecção que foi dada ao acontecimento (e sem que, por cá, os soldados rasos das hostes católicas conhecessem sua eminência) percebi que os bispos hoje em dia já têm pouco que ver com a caracterização que sobre eles fez são paulo na primeira carta a timóteo: «3 qualidades do bispo: 1.ª – é digna de fé esta palavra: se alguém aspira ao episcopado, deseja um excelente ofício. 2.ª – mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar; 3.ª – que não seja dado ao vinho, nem violento, mas condescendente, pacífico, desinteressado; 4.ª – que governe bem a própria casa, mantendo os filhos submissos, com toda a dignidade. 5.ª – pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará ele da igreja de deus? 6.ª – que não seja neófito, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação do diabo. 7.ª – mas é necessário também que ele goze de boa reputação entre os de fora, para não cair no descrédito e nas ciladas do diabo».

este texto tem cerca de dois mil anos, dirão quase todos. o mundo mudou, é verdade, mas mudou nos costumes, nos conteúdos e construiu um tecido social diferente.

as palavras que a maioria dos portugueses ouviu dizer ao senhor cardeal seu compatriota, não têm a depuração de dois mil anos de história – têm apenas o bolor de um século.

defendendo, e bem, que os governos devem apoiar mais as famílias, acrescenta, convicto, que esse apoio é necessário para que a mulher possa ficar em casa «a aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial: a educação dos filhos».

felizmente, sua eminência foi sempre bispo diplomata, admito que competente, mas está a quilómetros da complexidade da vida dos humanos que vivem neste espaço, neste século.

hoje em dia, o modelo de família patriarcal existe entre muitos outros.

os homens ganharam competências e responsabilidades na educação dos filhos. a isso se chama, nas leis que um diplomata deve conhecer, igualdade parental. há mesmo uma percentagem crescente de casais que escolhem dentro da sua família qual dos dois interrompe temporariamente a sua carreira profissional para acompanhar mais directamente os primeiros anos de vida das crianças, que são filhos de ambos.

talvez seja por causa de discursos como este, nalguns casos bem intencionados, mas completamente descontextualizados e desenraizados da verdade da vida, que a maioria desses casais não tem qualquer prática religiosa.

não me espantam os resultados estatísticos que reduzem, nesta europa decrépita, os praticantes católicos a crianças que são conduzidas à igreja pelos pais, aos sábados à tarde, enquanto estes vão às catedrais do consumo.

na adolescência e na juventude, quando os valores são confrontados dia a dia com a vida, esta igreja tem pouco a dizer a todos os humanos. regressam quando o medo da morte começa a dar sinal.

nós, os católicos, não somos adultos apetecíveis.

não somos portadores da boa nova, nem de nova forma de vida, nem de melhor forma de relação. não somos sinal de coisa nenhuma.

há excepções.

parece que a tarefa primeira do novo cardeal consiste no repensar o sacramento da reconciliação (confissão).

primeira medida enunciada: repor confessionários nas igrejas que deles não disponham ou os tenham discretamente colocados.

o problema na minha perspectiva não passa por aqui, e o senhor cardeal também o sabe.

os líderes da igreja católica, na europa, estão ao nível dos seus líderes políticos de topo.

se jesus cristo quisesse que tivéssemos notícia dele doutra forma, não teria indicado esta. somos mulheres e homens de fé, apesar da nossa religião.

catalinapestana@gmail.com