A pontinha de inveja que trai a alegria

Um grande amigo anunciou-me o seu segundo filho, menos de um ano após a primeira. Mostrei-lhe a minha felicidade pela magnífica notícia e a ajuda providenciada – já sei o que oferecer ao casal na próxima quadra natalícia: um pacote de preservativos.

brincadeiras à parte, e apesar da crise, imensos jovens enfrentam corajosamente o futuro programando um exército de rebentos para encará-lo, apesar dos medos presentes e das incertezas vindouras.

e, em bom rigor, tenho de confessar um segredo oculto. uma nódoa insinuante, pequena bolha incómoda que vai crescendo crescendo crescendo a cada boa nova do género. no meio de uma enorme alegria, não consigo deixar de sentir inveja – embora saudável – para com estes bebés anunciados dos outros. é como se a vida seguisse o seu rumo enquanto me lembra, aos gritos, com desdém deleitado, que está a deixar-me para trás. não quero ser um pai velho, um desgraçado que não consegue trocar a bola com o filhote, demasiado cansado para ensinar a filha a andar de bicicleta.

não se pode ter tudo, mas cada notícia alegre sobre projectos de pessoas recorda-me que sou bem capaz de estar a deixar fugir o essencial. são ironias que já gatinham, balbuciam até umas palavras, e correm o risco de um dia crescer tanto que, embora pai das mesmas, deixe de ter mão nelas.

ii – 34 anos, o último contrato antes

do fim da carreira

os homens cirandam pelo sintético sob luz artificial e, quem os vir de longe, notará as crianças que os próprios se imaginam durante o jogo. têm as mais diversas profissões e proveniências e uma gama de idades que vai do puto de 20 anos até ao calmeirão de 40. nascida da força do hábito semanal, há uma rivalidade bem alimentada entre as duas equipas em confronto. durante estes 75 minutos, talvez mais 10 se o segurança estiver num dia bom, há tímidos que gritam, pacifistas praticantes a perder a cabeça, todo um dicionário de calão a ser revisto e às vezes aumentado ao longo da partida. no fim, todos os nervos de minutos antes são esquecidos na partilha de calduços e anedotas sobre as incidências do jogo.

num dos últimos, mais pacífico para a minha equipa, tive tempo para pensar enquanto tentava não congelar na posição à baliza. todos os comuns amantes de bola sonharam ser futebolistas. e embora esse desejo cedo se tenha revelado utópico, não deixa de subsistir um fantasioso paralelo ao longo da vida. por exemplo, o nosso craque destas jogatanas a cada 8 dias – o rapazola de 20 anos – admira profissionais da mesma geração, como rodrigo ou james rodriguez; já os mais maduros optam por tecer considerações elogiosas a ‘veteranos’ como aimar ou giggs. pois é, muitos de nós não conseguem abandonar a ilusão do universo futebolístico, e muitas vezes olhamos para as nossas próprias escalas como um jogador poderia abordar o seu trajecto profissional.

assim sendo, tenho 34 anos. caminho claramente e a passos largos para o final da carreira. mas, como ‘sou’ guarda-redes – posição de menor destaque – acalento o sonho de ainda ir a tempo de assinar um último contrato. poder acabar como aqueles keepers que duram até aos 40 no aparente auge das suas capacidades. infelizmente, ao verificar o telemóvel, não vislumbro chamadas do meu agente. certo que não tenho um. mas também é verdade que, se fossem munidas de lógica, as ilusões responderiam por outro nome. provavelmente um nome feio.

iii – rua paralela:

cuspir ou não cuspir, eis a irritação

em todas essas partidas semanais de solteiros contra casados nunca vi um dos nossos craques cuspir. é das coisas mais irritantes que o futebol tem. não sei se está no código dos futebolistas, se é de estarem com os bofes de fora por correrem uma média de 10 kms a cada 90 minutos, se uma forma tribal de saudação entre membros do mesmo clã, mas os grandes planos de jogadores a arremessarem cuspo para o relvado é muito má publicidade para o desporto-rei: ou alguém imagina federer e nadal a pontuar um desafio entre ambos com trocas de saliva sobre a rede?!

párem, por amor da santa. é feio, lastimável e só se compreende se os clubes quiserem poupar na conta dos aspersores. engulam em seco e façam das tripas coração. quer dizer, engulam em molhado e privem-nos dessas incompreensíveis figuras. já para não falar das situações em que o alvo dos petardos são os próprios adversários.

assistindo de forma atenta a um jogo de futebol, vê-se de tudo: quem cuspa mal entra em campo, quem o faça logo após perder a bola, a seguir a protestar com o árbitro, antes de marcar um canto, enfim. há quem escarre mais do que toca na bola. urge alterar este comportamento. proponho medidas dissuassoras como eleger, além do homem do jogo, o escarrador da partida. ou acrescentar às tabelas estatísticas da posse de bola, ataques, remates, passes efectuados e kms percorridos, o número de decilitros despejados sobre o relvado. arre. um dia destes alguém fará uma entrada de carrinho arriscando-se a deslizar até ao túnel.

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