As minhas canetas

Costuma dizer-se que ‘cada maluco tem a sua mania’. Pois na minha família temos a mania das canetas. Já o meu avô paterno a tinha (lembro-me de ver na sua secretária uma boa dúzia delas, o que na altura me fez alguma confusão), o meu pai também – e eu não fujo à regra.

Desde miúdo que adoro canetas e quando entrei para a faculdade comprei uma de tinta permanente que me custou uma pequena fortuna. Tinha um aspeto magnífico, com aplicações douradas e um belo aparo de ouro que causava a inveja dos meus colegas. Evidentemente não era a mais prática para tirar apontamentos, mas isso pouco importava.

Assim que terminei o curso e deixei de a usar regularmente, os defeitos dessa caneta começaram a vir à superfície. De cada vez que pegava nela para apontar alguma coisa, a tinta tinha secado, o que obrigava não só a substituir a carga, como a pacientes preceitos de limpeza, que normalmente deixavam marcas indesejadas. A tinta recusava-se a passar para o papel, onde era necessária, mas facilmente vinha sujar a minha camisa, o sofá ou um tapete…

Isso fez – naturalmente – com que o uso da dita caneta se tornasse ainda menos frequente. O que desencadeou um novo problema: sempre que ia buscá-la, a tampa revelava-se emperrada e nem por nada deste mundo queria desatarraxar.  Face a isso, o mais sensato seria ir buscar uma esferográfica qualquer; mas, como sou teimoso, preferia entrar numa luta encarniçada contra aquele pequeno objeto, para ver quem ganhava. Normalmente era eu, mas só à custa de muita irritação e de quase partir os dentes, com os quais segurava no corpo da caneta enquanto tentava, com toda a força, desenroscar a tampa. Como é óbvio, quando terminava a luta, normalmente já nem me lembrava do que queria escrever.

Conta-se que, durante a aventura espacial, os americanos gastaram milhões e milhões de dólares a desenvolver uma caneta que escrevesse num ambiente de gravidade zero. Deparando-se com a mesma questão, os russos, mais pragmáticos, optaram por recorrer a uma tecnologia rudimentar: o lápis. Inspirado por esse sábio exemplo, desfiz-me da minha dispendiosa caneta de tinta permanente (por um terço do preço que me tinha custado) e passei a usar sobretudo lápis ou lapiseiras.

Até que no último verão encontrei a caneta ideal. Vi-a numa espécie de poster publicitário no interior de uma papelaria e perguntei à empregada: «Tem a caneta do anúncio?». A resposta foi afirmativa. Quando a experimentei, revelou uma escrita tão suave como seda. E nunca me tem falhado. É certo que os lápis, desde que estejam afiados, também não falham. E, como os russos tão bem perceberam, são muito baratos. Mas uma boa caneta, reconheçamos, possui outro encanto. Um apontamento final de etimologia. A palavra portuguesa caneta vem do latim canna, pois originalmente as canetas eram feitas de pequenas canas cuja extremidade se molhava na tinta. Já o francês stylo vem do estilete (o stylus) usado pelos romanos para escrever em tabuinhas de madeira cobertas por uma camada de cera. No inglês, pen deriva também do latim – penna, pois claro.

jose.c.saraiva@ionline.pt