«Talvez pela abordagem agressiva», conta ao SOL, «mas principalmente pelo historial médico da família». Sem se recordar do nome da empresa que a contactou em dezembro, não esquece o que era prometido: uma série de testes e exames gratuitos ao coração, de forma a entrar num estudo sobre o AVC (acidente vascular cerebral). «Disseram-me que a seleção foi aleatória e que teria direito a ser vista por um médico, a fazer prova de esforço e a mais uma série de exames cardíacos. Acabei por aceitar». No dia e hora marcado, dirigiu-se à escola profissional perto da sua residência – é normal que neste tipo de prática sejam escolhidos locais que não levantem suspeitas – mas não chegou a conhecer as ofertas. Ainda cá fora, dirigiu-se à porteira para saber que direção tomar. «Ela riu-se e disse-me ‘vá-se embora, eles não vão fazer exame nenhum e só querem impingir coisas que vai ter que pagar’». Clara voltou atrás e não tardou a receber um telefonema da empresa a perguntar se estaria atrasada. «Disse claramente que já sabia que tudo não passava de um embuste», conta, «do outro lado apenas um ‘então bom dia e obrigada», reacção que acabou por confirmar as suspeitas sobre a seriedade do que lhe era proposto.
Queixa comum
Casos como o de Clara são mais comuns do que se imagina. A Deco recebe todos os anos centenas de queixas de consumidores alvos de práticas comerciais desleais e enganosas. Para ser mais específico, falamos de 423 reclamações em 2014, número que subiu para 468 no ano passado, o primeiro em que se começou a fazer a distinção entre o tipo de queixas. Neste caso, e apesar da contagem não ser do ano inteiro, as reclamações ligadas à saúde já ultrapassam a centena.
A jurista da Deco, Joana Parracho, explica que o público alvo destas campanhas continua a ser pessoas com mais de 50 anos, aproveitando o facto de ser uma faixa etária a partir da qual existem mais queixas de saúde. «Não temos a certeza de onde vêm os contactos, mas daquilo que nos é relatado pelos consumidores, são conseguidos através dos hospitais e centros de saúde, onde têm acesso inclusive aos problema de saúde e aos exames que costumam fazer». Por essa razão, grande parte dos contactos são direcionados para uma doença em específico, sendo as cardiovasculares, os diabetes e os problemas auditivos as mais comuns.
A Deco refere ainda que além de uma abordagem enganosa, estamos perante vendas agressivas. «Os consumidores são influenciados a adquirir determinados produtos ou tratamentos de valor bastante elevado e, caso não disponham da quantia solicitada como sinal, são muitas das vezes acompanhados pelo comercial a uma caixa multibanco», pode ler-se num comunicado da associação.
Joana Parracho acrescenta que, e mais uma vez com base nos relatos que lhe chegam, é dada a ideia ao consumidor de que estão a ser atendidos por pessoas ligadas ao Serviço Nacional de Saúde, mas a verdade é que nem existe a garantia de se estar perante médicos e enfermeiros.
Tendo em conta o aumento das reclamações, a Deco tem vindo a alertar as autoridades, nomeadamente a ASAE, a direção geral do consumidor e a entidade reguladora da saúde, mas até agora não tiveram resposta sobre medidas que tenham sido tomadas para combater este tipo de prática.