Disparam falsos rastreios médicos

Por ter o telefone de casa em nome da mãe, de 89 anos, Clara Cerqueira já está habituada aos telefonemas de promoção de campanhas ou de angariação de verbas para causas solidárias, os quais normalmente ignora. Mas desta vez, houve algo que a fez acreditar que poderia beneficiar da campanha anunciada. 

«Talvez pela abordagem agressiva», conta ao SOL, «mas principalmente pelo historial médico da família». Sem se recordar do nome da empresa que a contactou em dezembro, não esquece o que era prometido: uma série de testes e exames gratuitos ao coração, de forma a entrar num estudo sobre o AVC (acidente vascular cerebral). «Disseram-me que a seleção foi aleatória e que teria direito a ser vista por um médico, a fazer prova de esforço e a mais uma série de exames cardíacos. Acabei por aceitar». No dia e hora marcado, dirigiu-se à escola profissional perto da sua residência – é normal que neste tipo de prática sejam escolhidos locais que não levantem suspeitas – mas não chegou a conhecer as ofertas. Ainda cá fora, dirigiu-se à porteira para saber que direção tomar. «Ela riu-se e disse-me ‘vá-se embora, eles não vão fazer exame nenhum e só querem impingir coisas que vai ter que pagar’». Clara voltou atrás e não tardou a receber um telefonema da empresa a perguntar se estaria atrasada. «Disse claramente que já sabia que tudo não passava de um embuste», conta, «do outro lado apenas um ‘então bom dia e obrigada», reacção que acabou por confirmar as suspeitas sobre a seriedade do que lhe era proposto.

Queixa comum

Casos como o de Clara são mais comuns do que se imagina. A Deco recebe todos os anos centenas de queixas de consumidores alvos de práticas comerciais desleais e enganosas. Para ser mais específico, falamos de 423 reclamações em 2014, número que subiu para 468 no ano passado, o primeiro em que se começou a fazer a distinção entre o tipo de queixas. Neste caso, e apesar da contagem não ser do ano inteiro, as reclamações ligadas à saúde já ultrapassam a centena.

A jurista da Deco, Joana Parracho, explica que o público alvo destas campanhas continua a ser pessoas com mais de 50 anos, aproveitando o facto de ser uma faixa etária a partir da qual existem mais queixas de saúde. «Não temos a certeza de onde vêm os contactos, mas daquilo que nos é relatado pelos consumidores, são conseguidos através dos hospitais e centros de saúde, onde têm acesso inclusive aos problema de saúde e aos exames que costumam fazer». Por essa razão, grande parte dos contactos são direcionados para uma doença em específico, sendo as cardiovasculares, os diabetes e os problemas auditivos as mais comuns.

A Deco refere ainda que além de uma abordagem enganosa, estamos perante vendas agressivas. «Os consumidores são influenciados a adquirir determinados produtos ou tratamentos de valor bastante elevado e, caso não disponham da quantia solicitada como sinal, são muitas das vezes acompanhados pelo comercial a uma caixa multibanco», pode ler-se num comunicado da associação.

Joana Parracho acrescenta que, e mais uma vez com base nos relatos que lhe chegam, é dada a ideia ao consumidor de que estão  a ser atendidos por pessoas ligadas ao Serviço Nacional de Saúde, mas a verdade é que nem existe a garantia de se estar perante médicos e enfermeiros. 

Tendo em conta o aumento das reclamações, a Deco tem vindo a alertar as autoridades, nomeadamente a ASAE, a direção geral do consumidor e a entidade reguladora da saúde, mas até agora não tiveram resposta sobre medidas que tenham sido tomadas para combater este tipo de prática.