Yoko Ono em retrospetiva

“Não sei quanto tempo é que ainda vou viver, mas prevejo que teremos o céu na terra em 2050”, disse uma vez Yoko Ono. Era uma conversa com o “Guardian”, pouco depois de ter feito 80 anos. “Quando digo isto às pessoas elas dizem, ‘Oh mas não vais lá estar’, e eu respondo, ‘Bom, quem…

Mas o mundo quer vê-la e tem agora mais uma oportunidade para isso em “YOKOONO Lumière de L’aube”, que inaugura a 9 de março no Museu de Arte Contemporânea de Lyon. Uma retrospetiva “fiel ao espírito de Yoko Ono” e que, não podia ser de outra forma, não é apenas para ser vista, mas “acima de tudo para ser experimentada”. E ouvida, porque terá a sua música a sair das paredes, com uma playlist escolhida pela própria.

Artista, performer, música, ativista, Yoko Ono foi durante muitos anos incompreendida. Diz Thierry Raspall, co-curador da exposição, que está por explicar porquê. Poderá ter sido a sua fama, talvez a sua retórica, a ensombrar o contributo inovador que deu à arte, escreveu o “Guardian” recentemente. “Eu tinha uma intuição natural para fazer algo novo”, disse à revista “Rolling Stone” a respeito da sua infância passada em Tóquio e da educação clássica que teve. Tal como o pai, que depois se decidiu por uma carreira na banca, também Ono foi educada para ser pianista. Não podia ter feito nada de mais diferente. Depois de ter estudado Filosofia, mudou-se do Japão para Nova Iorque, em 1953, e no final dessa década já se tinha tornado parte da cena avant-garde da Nova Iorque dessa época. No início da década de 60, ainda ela e John Lennon não se conheciam – isso só aconteceria em 66 – abriu o seu loft em Chambers Street, onde acolheu uma série de performances radicais e mostrou alguns dos seus primeiros trabalhos conceptuais. Foi aí que apareceram as suas “Instruction Paintings” (literalmente instruções para pinturas), que abrem esta retrospetiva. Na exposição de Lyon também vai ser possível subir a uma “Yes Painting” ou assistir a uma “Kitchen Piece”, em que dez chefs que vão criar uma “sopa” para a ocasião.

“Em menos de sete anos, de 26 de outubro de 1955 a 25 de maio de 1962, entre Nova Iorque e Tóquio, Yoko Ono alargou o âmbito das artes visuais a áreas que até então estavam por explorar”, escreve Raspall. “Ao empurrar a qualidade plástica da arte para o ponto da invisibilidade, de um mero grito, ao usar o corpo, identificando-se com o presente e o incompleto, e ao convidar toda a gente a participar e a criar ou interpretar as suas obras, ela estava efetivamente a escrever uma nova página na história da arte.”

Apesar disso, Yoko Ono teve que esperar até aos 80 anos para chegar ao MoMA, esse museu onde tão poucas mulheres conseguiram chegar, com “Yoko Ono: One Woman Show, 1960-1971”. 1971, o ano em que a artista resolveu pôr-se ela própria no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, seguindo o princípio de que quando se quer muito uma coisa ela se concretiza. A exposição foi anunciada mas quando as pessoas chegaram viram apenas um homem à porta do museu com um cartaz a explicar que Yoko Ono tinha soltado algumas moscas no Jardim de Esculturas. E era só isso, como se podia ver no catálogo da exposição, no qual a artista aparecia fotografada com um frasco de vidro com os insetos no interior. Passaram-se mais de 40 anos até à sua entrada oficial no templo da arte moderna, em 2015, numa retrospetiva aclamada pela crítica. “Valeu a pena a espera”, escreveu o “New York Times”. Antes disso, outra grande exposição, “YOKO ONO: HALF-A-WIND SHOW – A RETROSPECTIVE”, que começou em Frankfurt e viajou depois até à Dinamarca e à Áustria, para terminar no Guggenheim de Bilbau, em setembro de 2014, para chegar a França.

Bem dizia ela que estava a começar uma espécie de segunda vida aos 80 anos. Além disso, o mundo também mudou: “Acho que este é o princípio de um tempo de uma grande mudança”, disse na mesma entrevista. “Os anos 60 foram giros à sua maneira, mas as coisas são mais urgentes agora, porque temos mesmo que seguir em frente. O tempo está a esgotar-se para o planeta. A única opção é fazer uma coisa ou não fazer nada.