Leonor Teles. Partir um grande sapo

Chegar a Leonor Teles não foi fácil por estes dias. A viagem de regresso a Lisboa foi logo na manhã seguinte à noite dos prémios da Berlinale, por aí se vê que ninguém esperava que viesse para estes lados o Urso de Ouro das curtas. Tínhamos um número de telefone. O que não quer dizer…

“Agora já toda a gente sabe mas a maior parte das pessoas nem sabia que eu era cigana.” O discurso é o de quem já começa a conseguir gerir o que aconteceu. Ainda bem que esperámos estes dias.

Não terá sido com essa calma que Leonor Teles recebeu o prémio – afinal aquilo não era só estar em Berlim, era tornar-se, aos 23 anos, a mais jovem realizadora de sempre a ser ali dinstinguida com um Urso de Ouro. E, claro, conhecer Clive Owen. Mas essa parte vamos passar à frente. 

Pode dizer-se que “Balada de um Batráquio” começou há uns dez anos, talvez mais, quando ao entrar num café em Vila Franca de Xira, Leonor perguntou à mãe que moda era aquela dos sapos de loiça nas montras e ela lhe explicou.

“E eu e ela até tínhamos uma piada, que um dia íamos entrar nas lojas e desfazer-nos dos sapos todos.” Mais tarde, depois de terminar o curso de Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema, começou a trabalhar com Filipa Reis e João Miller Guerra. Aconteceu irem os três jantar a um restaurante em que mais uma vez lá estavam os sapos.

“Perguntei-lhes qual era o significado do sapo, eles não faziam a mínima ideia, e eu contei-lhes esta história. Primeiro acharam super curioso o significado dos sapos e depois acharam giro isto de eu e a minha mãe brincarmos com o assunto. Foi a partir desse momento, dessa conversa em que falei sobre aquilo com total descontração, que começaram a insistir para que fizesse o filme.”

Um filme “parvo” e “um bocado tosco”, como o descreveu a própria ainda em Berlim. “Acho que as pessoas quando veem o filme percebem o que é que eu estou a dizer porque ele é bastante… acaba por ser tudo um bocadinho parvo e até ridículo, absurdo, talvez.” Filmado em Super-8 –”o próprio Super-8 já tem aquele ar assim tosco, muito granulado, com cores muito vivas, e a ideia era que também a própria estética e a parte formal do filme estivesse de acordo com a temática” – “Balada de um Batráquio” é um filme sobre isso mesmo, partir sapos, numa reação ao preconceito. “Tentámos dar um tom irónico à coisa, tornar o filme divertido. OK, estamos a falar de coisas sérias, mas não temos de falar de coisas sérias de uma forma séria, podemos desconstrui-las.”

Sobre o futuro depois do que aconteceu no último fim de semana em Berlim,  Leonor fará por que isso não seja um peso. “Se eu deixar que esse peso me afete não vou conseguir fazer nada, acho que o melhor é tentar relativizar a coisa”, diz ela que, por agora, quer é continuar a trabalhar mais nos filmes dos outros do que nos seus. “Sinto que ainda tenho muito que crescer, é das coisas que mais me interessa neste momento, poder trabalhar nos filmes de outras pessoas. A verdade é que eu não tenho ainda muita experiência e acho que as coisas têm que ir com calma.” O que não quer dizer que não possamos ver novos filmes dela nos próximos tempos. Na verdade, está já a preparar um novo, sobre o qual adianta pouco além de que não tem nada a ver com os dois primeiros. “Já chega. Eu achei que tinha que falar nestes dois filmes sobre isto [a comunidade cigana], embora eles sejam bastante diferentes.” Agora o caminho será outro.

Leonor Teles, que nasceu em Vila Franca de Xira em 1992, filha de pai cigano, não quis ser cineasta desde sempre. Primeiro quis ser piloto da Força Aérea, depois foi percebendo que talvez a vida militar não lhe servisse, foi na altura em que começou a interessar-se por fotografia, que a levou ao curso de Cinema, de onde saiu “Rhoma Acans”, distinguido com uma menção honrosa no Indie Lisboa em 2013, em que explora uma história que na verdade é a sua. Uma família de um pai cigano e uma mãe não-cigana, em que a realizadora se questiona sobre o que teria sido diferente na sua vida se o seu pai não tivesse quebrado as tradições. 

E o que teria sido da vida de Leonor Teles se o seu pai não tivesse quebrado com as tradições da família de onde veio? “O meu pai era mesmo cigano, mas desde cedo, desde que se tornou adulto nunca quis ter qualquer tipo de ligação a essas tradições mais conservadoras. Também tinha a minha avó que sempre tentou protegê-lo e ao meu tio.” Por exemplo, dos casamentos arranjados. “Muitas vezes o meu avô tinha casamentos já arranjados que a minha avó ia sempre desfazer, não queria nada daquilo”, conta, acrescentando que a sua avó trabalhou sempre e que tinha o seu próprio negócio, que não tinha nada a ver com o do marido. Vendia roupa. “É estranho, mas ao mesmo tempo, na parte cigana da minha família, todas as mulheres eram personagens bastante fortes, eram já mulheres com uma mente muito aberta, muito à frente do seu tempo. Isto já com a minha trisavó e depois a minha bisavó e a minha avó.” Leonor Teles foi-o à sua maneira. Ela própria será o partir de um sapo, um grande sapo, no cinema português.