Recuerdos de Sevilha

A imagem que tinha de Sevilha era a de uma cidade pesadamente católica na Páscoa e sufocante no Verão. Uma cidade marcada pelos passos cadenciados dos homens que transportam na Semana Santa os gigantescos andores de Cristo, precedidos por encapuçados descalços batendo sonoramente com bordões nas pedras da calçada. Uma cidade que se resumia praticamente…

Uma vez, no Verão, mal consegui ver o centro urbano, tal era o calor que emanava dos prédios mesmo ao fim do dia, vendo-me obrigado a fugir – literalmente – à meia-noite, quando a temperatura ainda rondava os 40 graus. Por tudo isto, não foi com muito entusiasmo que voltei a Sevilha há quinze dias.

De Tavira (donde parti) a Sevilha são uns modestos 175 Km, que se percorrem em menos de duas horas, indo devagar. Um pulo, portanto. E nesta época do ano a temperatura é suave. 

Logo nos primeiros momentos percebi que conhecia mal Sevilha, ao penetrar no imponente Alcazar (de que não me lembrava). O contraste entre a construção maciça e os estuques refinadamente trabalhados produz um efeito poderoso. E os azulejos polícromos de minúsculas dimensões incrustados nas paredes são autênticos prodígios. Neles maravilhamos a vista – enquanto nos jardins estimulamos o olfato com o cheiro das laranjeiras. 

A catedral de Sevilha é uma amálgama de construções árabes e cristãs donde se eleva a esguia torre da Giralda, constituindo um monumento muito rico. Mas mais inesperada é a Igreja Colegial do Salvador, que se visita com o mesmo bilhete. No seu interior vive-se um espetáculo visual emocionante: é talvez a igreja que conheço com capelas mais sumptuosas. Aconselho os visitantes a comprarem o bilhete aqui, onde a fila é mais pequena do que na catedral.

Ao fim da tarde, quando as pernas começam a fraquejar, o visitante pode fazer um passeio sentado, aproveitando uma das dezenas (ou centenas) de charretes com cocheiro que desafiam os turistas. Com início na catedral, o percurso segue junto ao rio, penetra no Parque Maria Luísa e segue para a Praça de Espanha, onde faz meia volta e inicia o trajeto de regresso. De caminho passa junto à Torre do Ouro, por onde circulava obrigatoriamente todo o ouro que vinha da América para Espanha. E isso explica a riqueza das igrejas sevilhanas, assim como os seus imponentes palácios. Este passeio custa ao turista 45 euros (preço único).

O dia na capital da Andaluzia termina obrigatoriamente no bairro judaico de Santa Cruz, junto à catedral. Quando cai a noite, as suas ruas estreitas onde nunca entra o sol enchem-se de gente a comer e a beber. São dezenas de esplanadas regurgitando de clientes a picar presunto ibérico, puntillitas, boquerones, calamares, tortilla, polvo ou pimentos padron… E a beber cañas, sangria ou Coca Cola (o meu caso, que não bebo álcool).

É um fim de dia em cheio, numa Sevilha que eu desconhecia. Uma Sevilha pagã, voltada para o prazer e a comida, de temperatura amena. E não se pense que os clientes são turistas, como noutros bairros típicos. Não. Na sua maioria são espanhóis de gema, que falam e riem alto.

Sevilha tem ainda uma vantagem: Córdova fica a 140 Km de distância, pelo que se pode ir e vir no mesmo dia. Foi o que fizemos. Lá havia um concurso de pátios, em que os famosos pátios andaluzes se cobrem (ainda mais) de vasos de flores. Ganha quem tiver mais flores por metro quadrado e exibir plantas mais raras. É um espetáculo para os turistas, mas que vale a pena: há pátios que são verdadeiras obras de arte. Um regalo para a vista. E cada um tem o seu poço particular, o que é extraordinário numa região tão seca. 

Mas o must de Córdova é mesmo a mesquita. Que se compõe de uma imensa floresta de arcos e pilares de pedra a perder de vista, uns negros outros vermelhos, alternados, no coração dos quais se encaixa milagrosamente uma catedral católica. Parece um diamante incrustado no centro de um broche de filigrana. 

O dia seguinte em Sevilha ainda permite uma visita de manhã à zona comercial, nas imediações do Ayuntamiento (a câmara municipal).  Nalguns cafés, apesar da aproximação da hora do almoço, ainda se vê gente a comer churros acompanhados por chocolate quente. Nesta zona de largas ruas pedonais ladeadas por magníficos prédios do século XIX, com lojas em baixo, toma-se o pulso de uma outra Sevilha. Uma Sevilha mais moderna, mais rica – vivendo das riquezas atuais, do comércio, das grandes marcas, e não das riquezas do passado.

E aqui fica, caro leitor, a sugestão para um fim de semana prolongado. Onde não gasta muito dinheiro, não tem o stress das esperas em aeroportos nem do cruzamento de fronteiras vigiadas. Uma viagem tranquila de carro – que acaba por ser também uma viagem no tempo. 

Mas atenção: evite os meses de Verão! De junho a setembro, esta zona é irrespirável.