Um crime a descoberto

Há dois meses, sob o título O maior ‘crime’ de Sócrates, escrevi o seguinte: «Houve um ‘crime’ que Sócrates cometeu – ou deixou cometer – que prejudicou imenso o Estado português. Refiro-me à destruição do valor da PT – que valia ouro e acabou vendida quase ao preço da sucata».

Há dois meses, sob o título O maior ‘crime’ de Sócrates, escrevi o seguinte: «Houve um ‘crime’ que Sócrates cometeu – ou deixou cometer – que prejudicou imenso o Estado português. Refiro-me à destruição do valor da PT – que valia ouro e acabou vendida quase ao preço da sucata».

A história era contada assim: 

«A PT era uma empresa pujante e lucrativa que em 2007 se internacionalizou, criando no Brasil uma importante empresa de telecomunicações: a Vivo. O negócio brasileiro começou a correr de feição e era apontado como um caso de sucesso – quando inopinadamente, em 2010, a PT se prontificou a vendê-lo».

Mas o Governo opôs-se. 

«Usando a golden share, Sócrates fez abortar o negócio». Porém, num prazo de tempo recorde, «mudou de opinião, só pondo como condição a continuidade da presença da PT no mercado brasileiro. A Vivo foi então vendida por 7,5 mil milhões de euros – e a PT comprou a Oi por 3,75 milhões, deixando  outros 3.750 disponíveis para os acionistas». 

Como esta venda não fazia grande sentido – já que a PT não precisava de dinheiro –, pus a seguinte hipótese: talvez Ricardo Salgado, acionista da empresa, «estivesse aflito, com desesperada falta de liquidez, e o negócio tivesse sido feito para o ajudar». Sendo amigo pessoal de Henrique Granadeiro, presidente da PT, e dando-se bem com José Sócrates, «os dois poderiam ter-lhe facilitado as coisas».

E o texto concluía: «Julgo que foi isto mesmo que aconteceu. E suspeito que o veto inicial de Sócrates ao negócio só serviu para ‘disfarçar’. Foi uma estratégia para afastar suspeitas de cumplicidade. Mas se as coisas se passaram assim, a autorização para a venda da Vivo constitui talvez o maior ‘crime’ que o ex-primeiro-ministro cometeu». De facto, a partir daí a PT entrou em queda livre e o seu valor evaporou-se. 

Depois de publicado este artigo, uma pessoa conhecedora do processo, que pediu para não ser identificada, contactou-me para dizer o seguinte:

«Você quase acertou, mas errou num pormenor importante: o crime não foi a venda da Vivo, que foi bem vendida; o crime foi a compra da Oi, que não valia nada e custou à PT 3,75 mil milhões. Foi um negócio fraudulento que deu muito dinheiro a algumas pessoas».

O meu interlocutor acrescentou que o negócio foi cozinhado entre Sócrates, Lula da Silva e José Dirceu, sendo impossível dizer quem recebeu e o que recebeu.

Quanto a Ricardo Salgado, encaixou como acionista da PT a sua parte correspondente à venda da Vivo.
Assim, todos ficaram satisfeitos. 

Na semana passada, o tema regressou aos telejornais e às primeiras páginas dos jornais após as buscas realizadas nas residências de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava pela Autoridade Tributária de Braga.

Recorde-se que Granadeiro e Bava eram, respetivamente, o chairman e o administrador executivo da PT à data dos factos. 

Esta semana, os investigadores fizeram buscas na Caixa e no ex-BESI, precisamente os bancos que intervieram nos negócios da venda da Vivo e da compra da Oi.

Curiosamente, um dos bancos era ‘controlado’ por Sócrates e o outro pertencia ao Grupo Espírito Santo.
A minha intuição inicial (ao voltar recentemente a um tema que parecia morto e enterrado),  completada pela ajuda de um leitor qualificado, parece ter acertado em cheio.

Segundo o Ministério Público, «em causa estão as eventuais ligações entre circuitos financeiros investigados neste inquérito [a Operação Marquês, que tem Sócrates como suspeito] e os grupos PT e Espírito Santo». 

Dito de outro modo, as autoridades investigam eventuais luvas pagas a José Sócrates no negócio da Vivo e da Oi, que terão saído do saco azul do Grupo Espírito Santo.

Em causa estarão 17 milhões saídos da ES Enterprise (o tal saco azul do GES) para contas que teriam Sócrates como beneficiário.

A fonte que me contactou para falar do caso disse-me o seguinte à despedida: «Sócrates foi a pessoa que destruiu mais valor em Portugal».

Do que se vai sabendo, o panorama é de facto aterrador.

Só neste negócio da PT foram derretidos muitos milhares de milhões de euros.

E se estes prejuízos para o país foram feitos a troco de luvas, como as autoridades admitem, o caso assume contornos chocantes.