Os culpados e as lições do caso Banif

Acionistas, Banco de Portugal e Governo de Passos são apontados como responsáveis pelo que aconteceu no banco. Próximo passo de Costa deve ser alterar os poderes de Carlos Costa. Mas entretanto já começou a troca de acusações entre PS e PSD sobre o relatório que será discutido na segunda-feira

Em 471 páginas, Eurico Brilhante Dias faz uma autópsia ao Banif, aponta culpados para uma resolução que custou cerca de três mil milhões de euros aos contribuintes e faz recomendações para que se aprenda com o que aconteceu neste caso. O primeiro esboço do relatório final da comissão de inquérito ao Banif chegou ontem de manhã aos vários grupos parlamentares que terão agora tempo para a analisar durante o fim de semana. Mas o SOL já teve acesso ao documento e aponta algumas das conclusões do relator da comissão.

Os acionistas do Banif, o Banco de Portugal e o Governo de Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque são, segundo as conclusões de Brilhante Dias, os principais responsáveis pelo que aconteceu no banco.

O deputado socialista fez mesmo questão de o deixar claro numa conferência de imprensa dada ontem no Parlamento para anunciar a conclusão desta versão preliminar do relatório da comissão de inquérito ao Banif.

«O Grupo Banif tinha um modelo de negócios insustentável, uma exposição fortíssimo ao setor imobiliário que era, diria, diferente do setor financeiro», apontou Eurico Brilhante Dias, deixando claro que os primeiros responsáveis pelo que aconteceu são os próprios acionistas do banco e a forma como o geriram.

A supervisão bancária do Banco de Portugal fica na segunda linha de responsabilidades no caso. «Aquilo que o senhor governador chamou nesta casa de light supervision não teve eficácia», afirma Eurico Brilhante Dias, que não poupa sequer na ironia para qualificar o trabalho do regulador. «Se o Banif estava no meio da tabela, nem quero pensar o que seriam as más práticas», comenta Brilhante Dias, lembrando que o Banco de Portugal deu um parecer positivo à capitalização pública do Banif que em 2012 custou 1.100 milhões de euros aos cofres do Estado.

Invocando a sua qualidade de relator da comissão e não de deputado do PS, Brilhante Dias não hesitou, contudo, em atirar culpas a Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque pela forma como geriram o dossiê.

O deputado socialista acusa o anterior Governo de ter perdido tempo na tentativa de substituição da administração liderado por Jorge Tomé e critica a forma como Maria Luís apresentou oito planos de reestruturação, todos eles considerados insuficientes pelas autoridades europeias.

«Todas [as versões] tinham erros, falta de fiabilidade nos dados, estavam constantemente a aparecer novos dados, sempre piores. A DGComp teve sempre a possibilidade de dizer que os planos eram de ‘fraquíssima qualidade’, como aparece nas missivas trocadas na altura», frisou o deputado, sustentando que depois de tudo isso António Costa não teria alternativa que não a de optar pela resolução do banco.

«A solução de resolução foi má, mas foi para evitar uma solução péssima», conclui Eurico Brilhante Dias, explicando que «a situação era uma situação de urgência» quando chegou às mãos de António Costa e Mário Centeno. «O BCE rejeitou a solução de banco de transição, há a notícia da TVI e acabamos por chegar a uma situação em que no dia 18 se recebem quatro propostas, só três das quais vinculativas e nenhuma com valores líquidos positivos, portanto o banco foi para resolução», sublinha o socialista.

As recomendações

No relatório há várias recomendações feitas a pensar na ideia de que se deve aprender com os erros cometidos no caso Banif.

Uma das recomendações é na verdade um pedido de maior transparência na decisão das instituições europeias da concorrência e da supervisão e resolução bancária. Outra é a ideia de que se têm de mudar as regras que estão a deixar os bancos numa situação de fragilidade. Brilhante Dias defende que se devem alterar os rácios prudenciais e o seu impacto na rendibilidade do setor.

Mas a conclusão mais política será a que tem que ver com a necessidade de separar os poderes de supervisão e de resolução do sistema bancário, que estão atualmente nas mãos do Banco de Portugal. A ideia vai ao encontro do que Costa tem defendido e que o primeiro-ministro já disse ter intenção de pôr em prática assim que estivessem concluídos os trabalhos da comissão de inquérito ao Banif.

Espera-se, por isso, que o próximo passo seja mesmo o Governo mexer nos poderes do Banco de Portugal, criando uma entidade que fique responsável pela resolução bancária e reforçando os mecanismos de supervisão do regulador.

PSD contesta análise

Entretanto, a conferência de imprensa dada por Brilhante Dias para divulgar o seu relatório já fez estragos políticos. O PSD não gostou de ver o relator apontar o dedo a Passos e Maria Luís e o deputado Carlos Abreu Amorim veio mesmo falar numa «leitura política seletiva» e «falaciosa» dos trabalhos da comissão.

«Julgamos que o senhor deputado deu um passo em falso nesta conferência de imprensa», considerou Abreu Amorim, que viu nas palavras de Brilhante Dias uma forma de defender a tese de que «este Governo foi simplesmente vítima de acontecimentos que não controlava», deixando de fora da análise algumas partes da história.

«Esqueceu-se de dois aspetos essenciais: esqueceu-se de que o Governo anterior deixou em cima da mesa para o Banif uma linha de rumo, uma estratégia, um plano de reestruturação conhecido como o plano N+1, que estava a ser negociado com as entidades europeias», apontou o social-democrata, usando argumentos que deverão ser certamente esgrimidos na discussão deste relatório preliminar na segunda-feira.