IRS. Sobretaxa do segundo escalão acaba já em janeiro

Ao contrário do que estava previsto inicialmente, todos os contribuintes do segundo escalão de rendimento deixam de reter sobretaxa de IRS já em dezembro.

Ou seja, mais cedo do que estava inscrito na proposta inicial de Orçamento de Estado para 2017, onde se previa que a sobretaxa deixasse de ser aplicada a este escalão apenas em março do próximo ano.

A verdade é que são boas notícias para cerca de um milhão e 150 mil agregados familiares que pertencem ao escalão em causa, um escalão que, a partir de 2017, vai abranger os rendimentos coletáveis dos 7091 euros aos 20 261 euros anuais.

Sobretaxa. Inconstitucional ou não, a polémica está lançada

Bastou que uma voz se levantasse para que muitas outras questionassem a constitucionalidade do modelo de extinção da sobretaxa de IRS, que vai ser aplicado em 2017. Mas afinal há ou não uma expetativa frustrada?

A promessa era clara: em 2017 acabaria a sobretaxa de IRS. No entanto, o modelo encontrado para a extinção passa por uma intervenção faseada. A verdade é que a recuperação de rendimentos vai acontecer de forma mais significativa para quem recebe mais. Isto porque também eram estes contribuintes que pagavam a taxa mais alta. Seja como for, há quem tenha ficado descontente com a solução e admita que esta pode ser inconstitucional.

Ouvido pelo i, o advogado e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rogério Fernandes Ferreira, entende que “não é inconstitucional, pelo menos pelo alegado motivo de haver uma legítima expetativa dessa alteração legislativa, ainda que estivesse previsto na lei ordinária” e sublinha que “pode até haver uma legítima expetativa frustrada, mas a inconstitucionalidade e a Constituição exigem parcimónia”.

Além disso, para Rogério Fernandes Ferreira, “alterações legislativas, mais ainda de natureza fiscal, são banais”. E dá exemplos: “Temos o exemplo oposto dos benefícios fiscais, que, chegados ao seu fim, são por vezes renovados, como aconteceu este ano, com a maior das naturalidades. Num exercício de criatividade também podemos dizer que há aqui uma expetativa frustrada, talvez tenha havido uma pessoa que não investiu ou não incorreu em certa despesa por antever não poder beneficiar de um benefício fiscal nos anos vindouros”.

O especialista é, por isso, perentório: “Mexendo com expetativas, parece-me que a invocação da inconstitucionalidade é pura e simplesmente descabida”.

Também ouvidos pelo i, Mariana Gouveia de Oliveira, Coordenadora do Departamento Fiscal da Miranda & Associados, e João Ascenso, advogado do mesmo departamento, explicam que existem várias questões que têm de ser tidas em conta.

Em primeiro lugar, os especialistas chamam a atenção para o facto de “a Proposta de OE para 2017 prever, por um lado, a redução dos valores percentuais para a sobretaxa a vigorar até 31 de dezembro de 2017 mas, por outro lado, estipular critérios especiais de retenção na fonte que preveem que a sobretaxa deixe de ser cobrada na fonte gradualmente a partir de março, primeiro, para os sujeitos passivos com rendimentos mais baixos, seguindo-se os contribuintes com rendimentos mais elevados”. E explicam que este modelo faz com que, no fundo, seja exigida “uma antecipação do pagamento da sobretaxa em vez de a cobrar de forma mais suave durante todo o ano. É este mecanismo de extinção gradual da retenção na fonte que cria ao contribuinte a ilusão de que deixou de pagar a sobretaxa, na medida em que a partir de certa altura deixa de lhe ser aplicada a retenção”. E dão o exemplo: no caso dos rendimentos do segundo escalão, a sobretaxa anual é de 0,25%, mas a retenção na fonte é de 1%: “Isto significa que se vai cobrar aos contribuintes em três meses o equivalente à retenção na fonte à taxa de 0,25% repartida pelos 12 meses do ano”.

Ainda assim, deixam claro que “a manutenção da sobretaxa em 2017 não consubstancia uma inconstitucionalidade por violação do princípio da segurança jurídica”.

Para os especialistas, acima de tudo, “esta é uma alteração que claramente cria instabilidade no sistema fiscal, visto que não permite aos contribuintes terem uma ideia firme sobre o seu nível e perfil de tributação”.

 A questão começou a ser discutida quando várias vozes se levantaram contra a medida anunciada pelo Executivo de Costa.

O fiscalista Nuno Barnabé foi dos primeiros a relembrar que as questões que foram levadas ao Tribunal Constitucional (TC) sobre esta matéria são diferentes das que estão agora em cima da mesa.

“Embora o programa do PS refira que a sobretaxa é para ser eliminada em 2016 e 2017, a verdade é que foi legislado que a sobretaxa não incidiria sobre os rendimentos auferidos em 2017 e isso cria uma determinada expetativa”, explicou durante uma conferência organizada para debater o OE2017.

E acrescentou ainda: “Não me parece haver justificação suficiente ou razoável para tratarmos desigualmente os contribuintes quando as próprias taxas de retenção na fonte já são diferentes”.

Muitos cobram ao Executivo de Costa a célebre frase: “Palavra dada, é palavra honrada”. Mas António Costa já tinha deixado o aviso de que o país tinha de fazer escolhas e, entre a pressão para aumentar as pensões e outras medidas do lado dos custos, teve de encontrar almofadas do lado da receita e a eliminação gradual da sobretaxa, com um ritmo diferenciado em função de rendimentos, foi uma das respostas encontradas pelo Executivo para resolver o problema.

E até quem olhe para esta medida como uma forma de minimizar os riscos do Orçamento de Estado para 2017.