A saga do clã soares

Maria de Jesus Barroso trocou o teatro pela luta política e a política pela família. Companheira do ex-PR durante 66 anos, educou João e Isabel Soares e Alfredo Barroso para o serviço público.

A saga do clã soares

Se é Mário Soares quem eterniza o apelido na história portuguesa,  a família do antigo Presidente tem papel ativo na vida pública nacional. Da medicina ao comentário desportivo, do comentário político à inovação partidária, do mundo académico às causas sociais e até ao cinema, o clã Soares prolifera em polivalência e diversidade.

A rainha e os filhos

Casaram-se em 1949 e estiveram juntos quase sete décadas. Maria de Jesus Barroso já grávida de João Soares e Mário Soares preso, no Aljube. 

Maria de Jesus teve uma breve carreira no mundo do teatro, precocemente suspensa devido a atividades políticas de oposição ao regime do Estado Novo. 

Depois de abandonar a representação profissional dedica-se aos estudos em Ciências Histórico-Filosóficas, indo depois dar aulas no Colégio Moderno; a instituição fundada pelo pai de Mário Soares. Foi na Faculdade de Letras que se cruzou pela primeira vez com o futuro noivo. 

Em 1974, é a única mulher no momento da fundação do Partido Socialista português, na Alemanha. Já aí, fazia questão de dizer o que pensava. Acreditava que não era o tempo de fundar o PS, que também era seu, e afirmou-o ao marido, votando contra ao lado de Salgado Zenha. Quando passa a dirigir o Moderno, nos tempos atribulados de exílio e prisão política do marido, o colégio torna-se num importante sustento económico para o clã, apesar das autoridades pretenderem impedi-la de exerções funções.

Na biografia de Joaquim Vieira, a filha de Mário Soares e Maria Barroso, Isabel, aponta ao «amor incondicional» que ligava os seus pais. 

Em entrevista de vida ao jornal i, Maria Barroso afirmou: «Quando vejo o meu marido, vejo exatamente o mesmo homem que conheci há 70 anos. Com a mesma ternura, a mesma simpatia e a mesma admiração por tudo o que foi a sua vida. E sem perder a independência de termos várias vezes opiniões diferentes. Respeitámo-nos sempre». E o respeito e a ideia de que as ausências de Soares eram por um bem maior foram, desde cedo, passados aos dois filhos.

As referidas opiniões divergentes ganharam novo expoente quando Maria Barroso se converte ao catolicismo. Em 1989, em pleno mandato presidencial de Mário Soares, o filho João sofre um acidente aéreo, despenhando-se em território angolano.

Maria Barroso não tinha por hábito discutir o envolvimento do episódio na sua fé, mas em entrevista ao semário Expresso (2009) acaba por revelá-lo. «Pode haver um fenómeno que nos toque, que nos fira, que provoque uma angústia, um desejo de nos agarrarmos a qualquer coisa que nos dê força para aguentar. Deus ajudou-me», contou. Assim como a emergência de pedir a uma amiga que orasse por João Soares. «Vá ter com o senhor padre da igreja do Campo Grande e peça-lhe que reze pelo meu filho», terá telefonado, assim que soube da trágica notícia. O prévio afastamento, segundo a própria, estivera relacionado com a sua luta política. Na mesma citada entrevista, disse: «Parte da Igreja apoiou Salazar, aceitando medidas injustas e desumanas e permitindo que a polícia política se instalasse e cometesse os crimes que cometeu em relação à oposição». 

Foi na Cruz Vermelha, após queda em casa, que Maria de Jesus Barroso faleceu em julho de 2015. Havia colaborado e presidido à instuição desde que Soares cumprira o seu último mandato no Palácio de Belém. Criou também a Pro Dignitate, uma fundação focada em combater a violência e na promoção de direitos humanos. 

Os infantes

É com um Mário Soares totalmente dedicado à vida política que Maria de Jesus Barroso educa João e Isabel Soares e também o sobrinho Alfredo Barroso, que vê o pai falecer e a mãe partir para Itália ainda criança. 
O trio de infantes é colaborador constante nas campanhas do patriarca. Isabel dirige hoje o Moderno, sucedendo ao legado da mãe, e participou na campanha de Fernando Nobre às presidenciais, em 2011. Em entrevista recente ao Público, recordou como iam ver o pai «sistematicamente à cadeia». 

«Para nós era banal e um motivo de orgulho», contou. Sobre a relação com  o pai, descreveu-a como apaixonada. 
João Soares e Alfredo Barroso tiveram um atividade política mais acentuada que Isabel. O primogénito foi dirigente do Partido Socialista, além de editor literário, deputado à Assembleia da República e eurodeputado pelo PS, vereador e presidente da Câmara Municipal de Lisboa e, mais recentemente, ministro da Cultura.

Alfredo Barroso acompanhou Mário Soares em mais de trinta anos de vida política. Aos vinte anos já fazia parte do gabinete de Soares e também fundou o Partido Socialista. Nos anos oitenta, é eleito deputado e serve também como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, no Governo constitucional de Soares. Durante a presidência, é chefe da Casa Civil. Mais tarde, viria a afastar-se do partido, aproximando-se do Bloco de Esquerda, por divergências ideológicas e até estratégicas. 

Barroso zanga-se também com tio, durante a tumultuosa campanha de Mário Soares para a presidência em 2006, que viria a perder. O facto de Soares optar por exclui-lo das suas memórias políticas também provocou um afastamento, mas nos últimos anos haviam conseguido uma reaproximação e selado uma trégua. 

Os célebres sobrinhos 

É conhecido do pequeno ecrã por comentar futebol – ferverosamente sportinguista – e nos corredores dos hospitais por lecionar e praticar medicina há mais de quarenta anos; Eduardo Barroso é um dos célebres sobrinhos de Mário Soares, tendo sido condecorado com a Ordem de Mérito por Jorge Sampaio. Na última semana, defendeu que «o tio Mário é uma força da natureza». Do lado do grande ecrã, Mário Barroso fez carreira cinematográfica e vive atualmente em Paris, a cidade predileta para refúgio do clã. 