Francisco George: “As mães de hoje não têm memória das doenças”

Francisco George deixa a DGS este ano. Graça Freitas, seu braço direito, é uma das potenciais sucessoras. Uma conversa a três

Francisco George: “As mães de hoje não têm memória das doenças”

A proposta era uma conversa a três sobre o tempo frio que aí vem e as novidades do Programa Nacional de Vacinação (PNV), mas começamos com o princípio de um adeus. Francisco George, diretor-geral da Saúde desde 2005, deixará as funções em outubro, mês em que completa os 70 anos. Graça Freitas, subdiretora geral da Saúde e responsável pelo PNV, é uma das mulheres que gostaria de ver no lugar, mas a médica diz que ainda é cedo para dizer se será candidata. Por agora, a despedida ainda está longe e os desafios são muitos. Combater bolsas de resistência às vacinas no país é um deles. Outro, neste inverno de novo na ordem do dia, é prevenir cada vez melhor as epidemias de gripe sazonal, aumentando também a vacinação dos profissionais de saúde.

Fará 70 anos em outubro, limite de idade na função pública. Há uma proposta no parlamento para mudar este limite, mas já me confidenciou que sairá mesmo. Está decidido?

Francisco George (F.G.): Sim, sempre esteve claro para mim que sairia aos 70 anos e é o que tenciono fazer. Devo dizer ainda que gostava que depois de mim viesse uma mulher. Ligo muita importância à igualdade de género nos quadros da função pública e aqui na Direção-Geral da Saúde (DGS) temos procurado manter o equilíbrio: sou diretor-geral e tenho duas subdiretoras. Dos quatro chefes de serviço, dois são mulheres.

O que se sente a menos de um ano de sair de um cargo que ocupa há mais de uma década?

F.G.: Se até lá não acontecer nada de especial, há um sentimento de dever cumprido, de dedicação completa ao serviço público. Foi sempre essa a minha perspetiva desde que entrei na DGS, ainda antes da viragem do milénio, para trabalhar no departamento de saúde mental. E é um sentimento de missão cumprida sabendo que nem sempre as pessoas estão todas de acordo e que nem sempre há consensos, mas creio que respeitei a tradição da DGS e de todos os seus diretores-gerais. Voltando à questão de desejar que depois de mim viesse uma diretora-geral da Saúde, desde 1899, o país teve 19 diretores-gerais da Saúde e entre eles há apenas uma mulher: Maria Luísa Van Zeller.

Chegou a conhecê-la?

F.G.: Não pessoalmente. Foi nomeada em 1963, tinha eu 15 anos. Sai em 1971, já eu estava na universidade. Seguiram-se Cristiano Nina e, depois, Arnaldo Sampaio, pai de Jorge Sampaio e do psiquiatra Daniel Sampaio, que conheci bem. Mas hoje, quando olho para a galeria das fotografias dos diretores-gerais, choca perceber que só houve uma mulher. Desde 2013, a seleção para o cargo passou a ser por concurso e creio que é possível termos muitas candidatas – não será como aquelas situações nas universidades em que um professor se jubila e não há ninguém para o substituir. Tanto na rede de delegados de saúde como nos coordenadores dos diferentes programas de saúde pública temos especialistas muito qualificados e qualquer um deles poderia desempenhar as funções com segurança. Não há falta de candidatos ou de candidatas capazes. Uma delas está aqui ao meu lado…

Será candidata?

Graça Freitas (G.F.): Faltam muitos meses… Em 2013 já me candidatei a subdiretora–geral.

Não quis ser diretora-geral?

G.F.: Com o dr. Francisco George como candidato, não o faria. Dito isto, ele é de ascendência britânica, mas isto não é uma monarquia e não há aqui uma linha de sucessão. Penso que nesta fase é muito precoce eu assumir qualquer candidatura.

Têm perfis muito diferentes – a doutora, mais discreta. Como tem sido a convivência ao longo destes anos?

G.F.: Tem sido uma convivência pacífica… temos discordâncias algumas vezes.

F.G.: O que é bom.

G.F.: Sim, e sempre em coisas de pormenor. Se não houvesse confiança mútua, teria sido impossível.

Já se conheciam antes da DGS?

G.F.: Conhecemo-nos sobretudo aqui, mas tenho uma imagem forte da primeira vez que estive com o dr. Francisco George, num encontro em Beja, nos anos 90. Ele era delegado de saúde pública, e eu chefe da divisão de doenças transmissíveis na DGS. Fiquei impressionada com a energia dele.

Maior do que é hoje?

G.F.: [risos] Nem consegue imaginar… Percebi logo que, quando é confrontado com qualquer problema, seja qual for a dimensão, o grande objetivo é resolvê-lo o mais depressa possível.

O que alimenta essa energia?

F.G.: Sempre foi natural em mim. É uma vontade de não adiar as coisas, de não deixar para depois.

Isso motiva as equipas ou é demasiada pressão?

G.F.: Motiva… Por vezes poderiam querer ter mais tempo, mas é um movimento positivo de pôr as coisas a andar. É talvez a marca mais positiva do diretor-geral, além de todo o trabalho técnico e de estudo que uma pessoa tem de ter neste cargo. Essa vocação para a resolução de problemas é a faceta que mais o distingue: tem de ser rápido, naquela hora, e se for domingo, “temos pena”.

F.G.: Em resposta tenho de dizer que a dra. Graça tem facetas muito positivas. A mais interessante é que é o contrário de uma “yes person”. Discutem-se opiniões e depois traçamos uma bissetriz para avançar.

Ao longo destes anos, que crise de saúde viveram com maior preocupação?

G.F.: Acho que o que mais nos marcou foram as crises da gripe aviária (H5N1) e a gripe A (H1N1). Toda a preparação para uma pandemia foi de uma grande exigência e tensão: era preciso preparar todos os planos e a informação à população. Quando começou a surgir informação sobre o H5N1 pensou-se que a situação poderia ser mesmo muito grave. O que mais me lembro foi da responsabilidade que sentíamos…

F.G.: Era um furacão que se anunciava com um grau muito elevado. Felizmente foi perdendo intensidade, mas antes de perder tivemos de nos preparar.

G.F.: Disse muitas vezes que era preparar para o pior e esperar o melhor.

Quais eram as piores projeções?

F.G.: Uma pandemia como da gripe espanhola de 1918, em que houve milhões de mortes no hemisfério norte.

G.F.: De repente dávamos connosco a pensar que, se fosse mesmo assim, perderíamos pessoas das nossas famílias, dos nossos amigos. Ter essa consciência foi muito difícil. Depois, ao contrário do que aconteceu com a maioria das pessoas, ficámos muito satisfeitos por o vírus da gripe A, em 2009, ter sido relativamente benigno. Isto ao mesmo tempo que houve uma espécie de movimento social em que as pessoas parece que ficaram desiludidas por a gripe A não ter sido tão má.

Houve críticas ao investimento nas vacinas, à despesa de milhões com o medicamento Tamiflu, pouco usado.

G.F.: Foram seguros que o país fez e devíamos ter ficado felizes por termos chegado todos vivos ao fim. Ainda assim, a gripe A matou pessoas em Portugal, jovens, grávidas, crianças. Num ano de gripe sazonal podem morrer mais pessoas, mas sabemos que, muitas vezes, estão em causa pessoas mais velhas que descompensam de doenças que já tinham. Ali tratava-se de pessoas saudáveis à partida.

O Programa Nacional de Vacinação faz 52 anos. Este ano há novidades, entre as quais o fim da vacinação das crianças à nascença contra a tuberculose. Não terá sido precoce o fim da BCG?

G.F.: E, curiosamente, o Programa Nacional de Vacinação foi criado em 1965 pelas mãos da única mulher que foi diretora-geral da Saúde, Maria Luísa Van Zeller. Foi preciso uma mãe para se avançar. Nada nos indica que, no caso da tuberculose, tenha sido uma medida precoce. Levámos muitos anos a tomar esta decisão e só o fizemos ao ter indicadores que mostram que, hoje, a incidência da doença no país tem valores semelhantes aos da Europa Ocidental, ao que acontece em Espanha, Holanda ou Bélgica.

Noutro dia, num centro de saúde de Lisboa, diziam-me que parecia estar a haver mais casos nas populações migrantes daquela zona.

G.F.: Não temos sinais disso, mas a monitorização vai ser apertada. Sabemos que haverá sempre oscilações no número de casos: a evolução das doenças infecciosas nem sempre é linear e temos de manter a vigilância. O que foi decidido é que não se justifica continuar a vacinar todas as crianças à nascença, apenas as que estão em maior risco.

F.G.: O Programa Nacional de Vacinação será sempre vivo e dinâmico. Quando necessário, poderá sempre ser reforçado.

Foi o que fizeram perante o aumento dos casos de tosse convulsa? Estamos com o maior surto desde os anos 60.

G.F.: Cada micro-organismo tem a sua dinâmica e nem todas as doenças podem ser erradicadas. Alguns micro-organismos, como o vírus da varíola, só afetam a espécie humana. Com uma campanha de vacinação intensa nos anos 80 foi possível erradicar esta doença do planeta. O tétano, por exemplo, já não é assim. Existe sempre na natureza, e a pessoa, ao fazer uma ferida, pode infetar-se. Além disso, ao contrário de outras doenças infecciosas, não confere imunidade. Quando uma pessoa tem sarampo fica imunizada o resto da vida. Com o tétano, não. Com a tosse convulsa, perde-se imunidade ao longo da vida. Com doenças destas não podemos pensar em erradicação, mas em reduzi-las a casos esporádicos através da vacinação.

O que mudou com a tosse convulsa?

G.F.: Têm aumentado os casos em toda a Europa. Como disse, as pessoas perdem imunidade ao longo da vida e o problema é que, quando um adulto apanha tosse convulsa, tem uma tosse seca mas não é problemático. O problema é que transmite às crianças e, até aos seis meses, a doença é grave. Em 2016 tivemos 500 casos notificados e morreu uma criança. A única estratégia é reforçar a vacinação e foi o que fizemos. Como as crianças não podem fazer a vacina antes dos dois meses, avançamos com a vacinação das mães, uma dose em cada gravidez. Desenvolvem anticorpos e passam-nos aos filhos através da placenta. Esses anticorpos nos filhos duram pouco, mas esse intervalo de tempo é importante, pois é aí que têm surgido os casos.

As grávidas estão a aderir?

G.F.: Temos bons indicadores, mas só desde o início do ano é que a vacina passou a ser gratuita. Vai depender muito da recomendação dos médicos, em quem as mulheres confiam muito na gravidez. Mas acho que esta mensagem de que se vacinam as mães para proteger os filhos é o mais importante e está a passar.

Há um medo irracional associado às vacinas?

G.F.: Não digo irracional. Na gravidez existe uma cautela compreensível porque os ensaios clínicos não permitem testes em grávidas, nem de vacinas nem de medicamentos. Mas têm sido feitos estudos observacionais e isso dá-nos segurança. Aconteceu o mesmo com a vacina do tétano: hoje sabe-se que uma grávida que não tenha a vacina em dia deve fazê-la. Havia uma coisa atroz que era o tétano neonatal, em que a morte dos bebés que nasciam sem condições asséticas e ficavam infetados era quase certa. Os últimos dois casos no país aconteceram em 1997.

Essa memória das doenças do passado faz a diferença quando se tenta passar uma mensagem de saúde pública?

G.F.: Completamente. Eu ainda acompanhei casos de tétano neonatal e já estava a trabalhar nos últimos surtos de sarampo em Lisboa, e convém lembrar que morriam crianças em casa, a escassos metros dos centros de saúde e dos hospitais. Não conseguíamos fazer nada.

F.G.: Era uma doença terrível. Enquanto pai e médico, acompanhar o meu filho mais velho com sarampo foi talvez o momento mais perturbador quando eles eram miúdos. As crianças ficavam uma semana prostradas, com as manchas na pele, uma tosse persistente e secreções. Pouco podíamos fazer além do apoio quase afetivo de estarmos ao lado deles, com eles ao colo. A probabilidade de morte era elevada, morria uma em cada 30 crianças.

G.F.: A poliomielite também ensombrou a vida de muitos de nós em crianças.
A vacina surgiu no ano em que nasci (1957). Muitas pessoas que contraíam a doença ficavam com paralisia para o resto da vida. Os mais velhos têm estas memórias, mas os mais novos não. O que torna o desafio da vacinação nos dias de hoje ainda maior: quando alguém começa a dizer que não vale a pena vacinar, temos de explicar as vantagens mas também as desvantagens de não vacinar, estas memórias. Além disso existe a imunidade de grupo, que é a proteção que temos na população quando quase todas as pessoas estão vacinadas. Se baixamos a guarda, as doenças podem regressar.

Tem acontecido com o sarampo.

G.F.: Sim. Nós temos uma boa taxa de vacinação, mas não é assim em todo o mundo. Fizemos uma grande campanha quando foi o Mundial de Futebol na África do Sul e, mesmo assim, as pessoas não se vacinaram todas e tivemos um surto iniciado cá por um homem de 40 anos que contraiu a doença lá fora. Temos de continuar a passar esta mensagem: as vacinas começam no útero materno, agora com a tosse convulsa, mas a vacina do tétano tem de ser atualizada até ao final da vida, a partir dos 65 anos de dez em dez anos. E essa informação é ainda mais importante agora que começa a haver movimentos de hesitação em vacinar.

Há sinais preocupantes desses movimentos antivacinas em Portugal?

G.F.: Não há movimentos grandes e organizados como noutros países, mas começa a haver pessoas que colocam dúvidas.

F.G.: A dra. Graça costuma dizer, e com razão, que as vacinas, ao fazerem desaparecer as doenças, acabam por ser os maiores inimigos da vacinação. É nessa fase que estamos. As mulheres em idade fértil, as mães de hoje, já não têm memória ou não acreditam, e temos de estar preparados para combater qualquer bolsa de resistência à vacinação que venha a surgir no pais. Neste momento, não é algo que nos preocupe muito porque não tem muita expressão no país, mas os nossos colegas na Europa estão preocupados.

Estamos na época da gripe, doença para a qual tem havido apelos sistemáticos à vacinação. Os profissionais de saúde são o grupo para o qual é recomendada a vacina que adere menos: no ano passado vacinaram-se 45% nos centros de saúde e 24% nos hospitais. Não é uma mensagem contraditória?

F.G.: Este ano, ainda não temos dados finais, mas penso que a cobertura está melhor. Há médicos que acham que não estão na linha da frente, quando estão.
É lamentável que não se vacinem. É um fenómeno que está pouco estudado e acho que os sociólogos, a nossa academia devia procurar perceber melhor estas questões.

G.F.: Concordo. Acho que existe, ainda assim, um fator: muitos médicos e enfermeiros são adultos jovens, estão naquela faixa etária em que as pessoas tendem a pensar que não lhes acontece nada. Depois pensam que, como andam no meio dos vírus, estão protegidos, quando as estirpes mudam todos os anos.

Essa resistência não pode ser prejudicial se depois acabarem por ser fonte de transmissão ou ficarem doentes e não puderem ir trabalhar?

G.F.: Não é bem resistência, é mais uma passividade, um “deixa andar” que depois tem outro problema: se não valorizam para si próprios as vacinas, podem não valorizar para os seus doentes. Quando o Instituto Ricardo Jorge pergunta às pessoas o que foi mais importante para fazerem a vacinação, a maioria responde que foi a opinião do médico assistente. Ora, se o médico assistente não valorizar a doença, isto pode ter um efeito prejudicial.

Ainda há défices de vacinação contra a gripe significativos na população?

F.G.: Temos estado a evoluir. Este ano temos a melhor taxa de vacinação desde que o Estado assumiu este encargo. Foram comprados 1,2 milhões de vacinas e a taxa de utilização é de praticamente 100%.
É preciso perceber que o grande papel da vacina é diminuir o risco de complicações. E sabemos que as complicações são o que mais mata: a maioria das pessoas que acabam por morrer são pessoas com mais de 75 anos, sobretudo mais de 85, que tinham doenças crónicas compensadas e que, ao apanharem um quadro gripal com febre súbita, descompensam, seja de diabetes, obesidade, insuficiência cardíaca. A gripe precipita o fim da vida.

Que análise fazem das dificuldades vividas este ano nos hospitais?

F.G.: Há um problema de literacia, de se perceber quando se deve ir a uma urgência.

Não há também falta de recursos?

F.G.: Há com certeza múltiplos fatores, mas o facto é que ainda existe muito a ideia da conveniência de ir ao hospital. As pessoas sabem que no hospital têm exames radiológicos, análises, médicos de várias especialidades. Sabem que, se for preciso, ficam em observação, são ventiladas. Mas temos de contrariar isto porque haverá quem precise, mas muitos não precisam, e o sistema não absorve tudo.

Mas que avaliação fazem do que se viveu nas últimas semanas no SNS, com tempos de espera elevados?

F.G.: Não é um cenário caótico, mas de muita pressão. Tudo indica que, nos hospitais mais ligados a centros de saúde, a pressão não é tão forte. O caminho é esse.

Podia ter havido mais planeamento?

F.G.: Todos sabem a fórmula: é preciso criar um perímetro de cuidados de saúde familiar, à volta dos hospitais, acessíveis e disponíveis à população.

E isso foi feito atempadamente?

F.G.: Isto tem sido sucessivamente tentado, mas todos os anos é difícil de concretizar.

Porquê?

F.G.: Por questões de organização. Mas não falo de nenhum ministro em particular, é um problema, se calhar, cultural de pensarmos que vai tudo correr bem e depois reagirmos no imediatismo. Isto não é um falso problema, é um problema e temos de conseguir planear melhor, mesmo que este ano os resultados tenham sido melhores em todas as frentes, da resposta dos cuidados primários à vacinação.

O pico da gripe já terá passado. Estão confiantes?

F.G.: Temos de esperar mais alguns dias, mas é possível. Mas sabemos que a curva descendente é semelhante à ascendente, por isso continuará a haver gripe e pressão nos serviços.

Este ano foi menos mau do que se antevia?

G.F.: Terá sido muito idêntico ao da época da gripe de 2014/2015, talvez inferior.

Nesse inverno foi calculado um excesso de 5591 mortes atribuídas a gripe e frio.

F.G: Acho que não podemos olhar para as coisas assim. Quando, num ano como este, o excesso de mortalidade reside em pessoas com mais de 85 anos, estamos a falar do precipitar do final da vida. A mortalidade em Portugal varia todos os anos entre 103 mil e 108 mil óbitos, e excesso de mortalidade seria se morressem muito mais pessoas no final do ano. Quando há uma precipitação do fim da vida, o excesso de mortalidade acaba por diluir–se ao longo do ano.

Vem aí uma frente fria. O frio mata mais do que a gripe?

Muitas vezes, sim, é assim em todo o hemisfério norte.

Somos um país mal preparado para lidar com o frio?

Existem muitas fragilidades, daí termos a preocupação de visitar lares e de alertar a população para os riscos. O uso de aquecimentos externos, de botija, dentro de casa é um drama: são altamente tóxicos e tem havido casos fatais.

O preço da eletricidade continua a aumentar. Não é um problema?

Creio que tem havido, ainda assim, alguma preocupação, e há tarifas socais.

Falávamos do exemplo dos médicos na vacinação. Um dos temas controversos de 2016 foi a tentativa do governo de tentar tornar mais restritiva a lei do tabaco. Sei que a dra. Graça foi uma fumadora inveterada…

F.G.: Não a larguei um minuto!

Mas o dr. também fumou.

F.G.: Só em estudante, depois nunca mais.

G.F.: Resisti ao tabaco durante toda a adolescência. Já estava quase a licenciar-me em Medicina quando comecei a fumar, muito pressionada pelos meus pares. No pós-25 de Abril, acho que a Faculdade de Medicina inteira fumava. Fumei durante 22 anos, sabendo os malefícios, tendo toda a informação. Só parei quando comecei a perceber que estava com uma capacidade respiratória limitada. O exemplo pode ser importante, mas temos de ir insistindo com mais informação. E note–se: eu era uma fumadora muito civilizada. Mesmo antes de se falar de fumo passivo, nunca fumava no gabinete. Só tive uma vez um episódio de fumar num banco de urgência, mas jurei que nunca mais.

Existe sempre uma reação de crítica à intromissão da DGS ou do governo nestas matérias. A intenção do governo de proibir o fumo a cinco metros de jardins ou hospitais foi vista como radical.

G.F.: São incentivos para deixar de fumar, ao contrário do que se fazia quando se permitia fumar em todo o lado. Acho que é assim que se deve encarar estas medidas. Fumando no gabinete, uma pessoa fuma 30 ou 40 cigarros por dia; se tiver de se levantar para ir à porta, são menos dez. Seria importante continuarmos a ir por aí, a pôr pedrinhas no caminho do fumador. Antes das restrições, fumava-se mais. Por outro lado, tornou-se mais fácil para quem queira parar. A maior parte das pessoas da nossa geração deixou de fumar e éramos todos fumadores. É possível.

Que meta gostava que fosse atingida no seu último ano à frente da DGS?

F.G.: Continuar a tendência de melhorarmos os indicadores de saúde de ano para ano. Manter a mortalidade infantil baixa e reduzir a mortalidade prematura, antes dos 70 anos: o objetivo é que menos de 20% dos portugueses morram antes dos 70, de doença evitável, de acidentes. Acho que deve ser um objetivo coletivo: que a maior parte de nós, com estilos de vida mais saudáveis, possamos festejar os 70.

Fará os seus 70 anos a 21 de outubro. Sente o peso da idade?

F.G.: Não sinto peso nenhum. Mas também não sei o que sentir, ainda não estou preparado. Tenho a grande vantagem de partilhar os meus 70 anos com o meu irmão gémeo e ainda estamos os dois a tentar perceber o significado de chegarmos lá.