Jorge Peixinho. A estética do choque

A imaginação criativa exuberante e a capacidade de indignação valeram-lhe o título de l’enfant terrible da nossa cena musical. 

Nome marcante da música portuguesa da segunda metade século XX, Jorge Peixinho (20 de Janeiro de 1940 – 30 de Junho de 1995). não foi apenas um compositor de vanguarda repetidamente premiado, um pianista exímio, um intérprete infatigável, um crítico musical e ensaísta de reconhecido mérito, um conferencista de actividade frenética, um professor de generosidade notada e apreciadas derivas – no Conservatório de Música do Porto (1965-1966), na Escola de Música do Conservatório Nacional em Lisboa (1985-1995) – ou um dinamizador da cultura do seu país. Jorge Peixinho foi um «guerreiro do espírito» voltado para um sentido de modernidade que não recusou o diálogo com a tradição musical. As Quatro Estações, obra onde o compositor atinge uma plena maturidade, é bem um exemplo expressivo.

Cedo o autor de Sobreposições (1960), Eurídice Reamada (1968, sobre poema de Herberto Helder) ou A Idade do Ouro escolheu as suas armas na defesa da causa da música contemporânea portuguesa: a estética do choque (Theodor Adorno), afrontando o conservadorismo então reinante em Portugal, a intervenção cultural, praticada em novo estilo e aberta a elementos de natureza artística diversa – das artes plásticas ao teatro, passando pelo bailado.

E cedo também esta figura carismática foi reconhecida em Portugal como líder da vanguarda musical, defendendo com consistência uma arte de intervenção que procurava levar o público a interrogar-se sobre o sentido da própria arte e da sociedade. O mesmo público, insensível à música contemporânea, com cuja reacção adversa se confrontou quando, em Lisboa, divulgou a música de John Cage (1961, 1964) ou em alguns happenings, anunciados como concertos, em que o compositor aprofunda a sua ligação ao experimentalismo mais radical da música europeia.

Quando, em 1947, a sua tia Judite Rosado o inicia nos estudos de piano, estaria bem longe de imaginar a projecção futura daquele que foi um instigador de novos rumos, o enfant-terrible da nossa cena musical. No Conservatório Nacional de Lisboa Peixinho aprendeu Piano e Composição, tendo prosseguido os seus estudos em Roma, como bolseiro da Fundação Gulbenkian. Trabalhou com Luigi Nono em Veneza e mais tarde com Boulez e Stockhausen, no âmbito dos Meisterkurse da Academia de Basileia, tendo frequentado, ainda na década de 1960, os cursos internacionais de Composição de Darmstadt, onde participou em obras colectivas orientadas por Stockhausen.

Com o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, que fundou em 1970 e que constituiu o principal veículo da sua obra, percorreu o circuito internacional dos Cursos e Festivais de música contemporânea. Ao cinema associou também o seu nome, colaborando como compositor/músico em filmes como Brandos Costumes (1974, Alberto Seixas Santos), O Prisioneiro (1979, Sérgio Ferreira) e Sinais de Vida – Breve Sumário da Vida e da Obra de Jorge de Sena (1984, Luís Filipe Rocha).  

Membro do Conselho Presidencial da Sociedade Internacional de Música Contemporânea, o músico, que foi distinguido com vários prémios nacionais, entre eles, o Prémio de Composição Musical do Conselho Português da Música pelo Concerto de Outono, em 1984, e, no ano seguinte, o Prémio de Música de Câmara da Sociedade Portuguesa de Autores, por Recitativo II, e integrou o painel de júris de diversos concursos internacionais de Composição, partiu inesperadamente em plena maturidade criativa.

A multifacetada obra que nos legou, de exuberante imaginação criativa, sempre desperta, é marcada por uma forte identidade. «Rebentou como fruto queimado», escreveu Eugénio de Andrade, aludindo à sua personalidade explosiva, ao fulgor do seu discurso criativo, ao modo apaixonado de viver a música, a arte e a própria vida, mas também à capacidade de indignação de Jorge Peixinho.