Ao propor uma solução bicéfala para lhe suceder – que sabia não ser duradoura -, Louçã acautelava meticulosamente o seu legado, enquanto simulava um retiro sabático.
Assim se poupou à ressaca do tsunami eleitoral de 2011, que entregou o Bloco às contingências da austeridade e às dissidências internas.
Louçã resguardava-se, a pretexto de que «na vida política, é preciso saber que o exercício de uma responsabilidade mais intensa tem sempre um tempo».
Claro que nem a bicefalia durou muito, nem Louçã trocou a política ativa pelo refúgio do ISEG. Apressou-se, pelo contrário, em cativar um lugar na ‘liga de comentadores’, contribuindo assim para «empapar» os media, como depreciativamente se lhes referia.
A recuperação do eleitorado nas últimas legislativas, contrariando as previsões de afundamento do Bloco (que lhe permitiu ultrapassar o PCP e servir de preciosa bengala ao PS na ‘geringonça’), serviu também para Louçã abreviar o retiro e ir buscar o ideólogo ao armário.
A inserção do Bloco na órbita do poder devolveu a Francisco Louçã o encantamento pelo púlpito – tocado, aliás, por uma tocante modéstia, ao admitir que «tenho influência, não tenho poder», na lógica de reclamar «a liberdade de influenciar o meu tempo». O deslumbramento sem disfarces.
Depois, o estatuto de conselheiro de Estado e a pose de senador – sem abdicar de ser trotskista – seduzem os media, que se têm posto a jeito. Foi o caso recente do Expresso, que lhe dedicou dez páginas da revista, com uma suposta ‘entrevista de vida’.
Percebe-se que gosta de transpirar energia. Por mais de uma vez tem afirmado que aprecia viver «intensamente, incansavelmente, sem nunca desistir». Escreveu-o na carta de despedida do Bloco e tem-no repetido, como se fosse um slogan ou uma imagem de marca.
É nesse perfil de autoconvencimento que designa Catarina Martins como a «figura mais extraordinária dos últimos anos da política portuguesa» e Mariana Mortágua que «há de ser ministra das Finanças», porque «hoje o BE prepara ministros». O criador molda as criaturas.
Mais: não se exclui, ele próprio, de um dia ser Presidente da República, advertindo, contudo, pudicamente os jornalistas de que «não quero que vocês façam um título sobre isto».
Louçã tem-se em boa conta. A ponto de escrever uma carta ao Governo, propondo a nacionalização do Novo Banco ou de perorar sobre jornalismo.
Se na questão do Novo Banco fez coro com o PCP, que nunca quis outra coisa (imitando-o, também, no piedoso silêncio perante a vergonhosa situação na Caixa Geral de Depósitos), já ao escrever de cátedra sobre jornalismo derrapa num piso que não domina, mas que lhe presta certa vassalagem.
A despropósito, em vez de criticar a invasão do espaço público pelo anacronismo de políticos travestidos de ‘comentadores’ – uma perversão muito portuguesa -, Louçã atira contra «a contaminação do jornalismo pelo comentarismo». Uma pérola.
Com desplante, nomeia «jornalistas defensores das ideias liberais» como se fossem peste, e conclui, por esse motivo, que «estamos a viver um processo de radicalização». Simplesmente, freudiano.
Hostil a tudo o que mexa e não navegue nas suas águas, Louçã execra, afinal, aqueles jornalistas ‘liberais’ que têm o topete de pensar pela sua cabeça, não se limitando a serem ‘cabo de microfone’.
O seu ‘lápis azul’, ao estilo da velha censura oficial, chega à minúcia de considerar as colunas de ‘sobe e desce’ como «uma arrogância que facilmente descamba em ajustes de contas ideológicos (…), pois são o resultado da emoção e do imediatismo a que chamei o ‘estilo matarruano’».
A reboque do mesmo estilo, zurze na escrita de jornalistas, editorialistas e diretores de órgãos de informação, e questiona-se, com surpreendente candura: «Porque é que então estes jornalistas suicidam a sua profissão desta forma?».
Ao reprovar a «contaminação da informação pelo comentário», Louçã parece defender o território da opinião como coutada privativa de políticos e de outros iluminados – que se ungem, predestinados, para pastorear as almas.
Claro que mandam as boas regras jornalísticas que não se confunda informação com opinião. Mas não é isso que incomoda o ideólogo bloquista.
Para ele, intolerável é restarem ainda alguns jornalistas, com influência no espaço público, que não alinham na cartilha das esquerdas. E não aceitam serem meros ‘amplificadores de sinal’.
O Bloco ganhou um ‘pivot da continuidade’, confiado em que haja alguém que lhe apanhe as deixas…