Temos trabalhos de casa a mais?

Alunos portugueses passam menos tempo que os dinamarqueses, noruegueses ou ingleses a resolver os TPC. Mas há uma diferença importante, avisa investigadora do ISCTE. Piores alunos deviam ter mais deveres

Portugal está longe de ser um dos países onde os alunos mais têm trabalhos de casa, diz o último relatório do PISA. Mas este é um dos temas que mais provoca crispação na relação entre casa e escola. De um lado, os pais reclamam uma mudança no tipo de trabalhos que são pedidos e, do outro, os professores avisam que dentro da sala de aula são eles quem manda. No meio deste arrufo estão alunos.

Esta é uma guerra além-fronteiras. No final do ano passado, em novembro, a Confederação Espanhola de Associações de Pais e Mães de Alunos fizeram greve aos TPC durante o fim de semana. O protesto estendeu-se a todos os alunos das escolas públicas espanholas. Por cá, as duas associações de pais afastam esse cenário, até porque não pedem o fim dos trabalhos de casa. A solução, defendem, está numa mudança no tipo de exercícios pedidos aos alunos.

Jorge Ascenção, presidente da Confederação da Associação de Pais (Confap), defende que há TPC “que não fazem sentido nenhum” e é preciso “alterar o modelo e a forma de trabalhar aquilo que são os trabalhos de casa, que não seja fazer as cópias e as contas”. Para o representante dos pais, “um trabalho de casa” realmente eficaz passaria por “ler uma notícia em casa e interpretá-la ou perceber a utilização da soma na vida real”.

Além disso, argumenta Jorge Ascenção, as aprendizagens podem “estar ligadas às várias tarefas de casa que vamos pedindo aos filhos, desde o fazer a cama ou arrumar a casa”. Ascenção sublinha que “não é através dos trabalhos de casa que se aprende” e esta não pode ser a solução que os professores “encontram para completar programas”.

A opinião é partilhada por Rui Martins, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), para quem “os trabalhos de casa, a existirem, têm que ser com conta, peso e medida”.

Apesar de este ser um assunto discutido com alguma frequência, os partidos ainda não apresentaram propostas para regular os TPC. Nos últimos anos houve, pelo menos, quatro petições públicas contra os trabalhos de casa mas não ultrapassaram as 40 assinaturas, de acordo com a plataforma online de recolha de assinaturas Petição Pública.

Menos TPC que na Dinamarca, Noruega ou Reino Unido

Se os pais se queixam da “bateria” de trabalhos de casa pedidos aos alunos, os últimos dados disponíveis mostram que Portugal não está na lista dos países em que os estudantes mais são sobrecarregados em casa. De acordo com o último estudo do PISA – o maior inquérito internacional sobre educação – Portugal é apenas o 12.º país europeu em que os alunos passam mais horas a fazer os TPCs.

Segundo este estudo quadrienal da OCDE, os alunos portugueses de 15 anos passam 14,4 horas semanais a resolver os trabalhos de casa, a estudar ou em explicações. Estamos, portanto, dentro da média europeia e na mesma linha de países como a República Checa, França Letónia ou Áustria. E há países, tidos como referência no ensino, como a Dinamarca, Noruega ou Reino Unido, onde os alunos passam mais horas que os portugueses a fazer os TPC, com 16 horas, 15,8 horas e 15,2 horas respetivamente.

Os campeões na tabela das horas de TPC são a Grécia e a Itália, com 18 horas cada um. No extremo oposto, é na Alemanha que os alunos passam menos tempo a resolver exercícios ou a estudar em casa, apenas 10,2 horas semanais.

Que ilações tirar? Segundo um estudo do projecto aQeduto, apoiado pelo Conselho Nacional de Educação, mais trabalhos de casa não significam, necessariamente, maior sucesso escolar, diz ao i Isabel Flores, investigadora do ISCTE e autora do estudo. Mas o problema é que os mais fracos, que precisariam de trabalhar mais, não são os que passam mais tempo a estudar em casa.

Os dados recolhidos pela investigadora revelam que, em Portugal, são os melhores alunos que dedicam mais tempo ao trabalho fora da escola. Em média, diz Isabel Flores, os alunos portugueses com notas de “muito bom” trabalham cerca de três horas semanas a mais do que os restantes estudantes. “Uma maior dedicação está associada a melhores resultados”, garante a investigadora.

A diferença entre Portugal e “a grande maioria” dos países europeus está, por isso, nos destinatários dos TPC. Na grande maioria dos países é “aos alunos com mais dificuldades que são pedidos mais TPC”, explica Isabel Flores. Em Portugal, essa relação “não existe”, ou seja, os professores pedem a todos os alunos o mesmo tipo de exercícios e a mesma quantidade de trabalho, independentemente dos seus resultados. O mesmo acontece em Espanha, Itália e Hungria. Mas, por exemplo, em países como França, Finlândia, Luxemburgo ou Alemanha, a lógica já é outra.

TPC aumenta peso da mochila

Além do tipo de TPC pedido aos alunos, os pais lembram que os trabalhos de casa são uma das razões que faz aumentar o peso das mochilas. Para Isabel Flores, a solução para este problema passa por “deixar os manuais na escola e resolver os trabalhos de casa no computador”, já que “todos os manuais trazem versão digital”. Se as desigualdades socioeconómicas na população podem ser vistas como entrave, a investigadora sustenta que os dados do PISA permitem concluir que não há nada a temer, uma vez que “não é verdade que as classes sociais mais baixas não têm computador em casa”. De acordo com este último estudo internacional, em 2015, 96% dos alunos portugueses tinham computador em casa e 97% diziam ter ligação à net.