A extrema-direita perdeu na Holanda. Os twitters das chancelarias europeias suspiraram de alívio. Peter Altmeier, o chefe de gabinete de Merkel, inspirou-se nos cânticos dos adeptos da seleção laranja nos estádios de futebol para twitar: “Holanda é campeã. Adoramos o que a laranja faz.” Carl Bildt, antigo MNE sueco, admitiu que depois da Áustria, a Holanda confirmou a “onda anti-Trump” na Europa. E também por cá, o MNE foi embalado pelo otimismo do “fim dessa tendência crescente do populismo na Europa.”
A extrema-direita perdeu na Holanda mas não é o fim da história. Assumir que a sua derrota é definitiva, ou que o seu apelo junto do eleitorado está em reversão, é cair na mesma cegueira otimista que permitiu que líderes xenófobos e radicais se apresentassem hoje como gente séria. É preciso recuar muitas décadas para encontrar um arco populista tão longo e influente, até nas democracias consolidadas.
Há quatro tendências estruturais (para lá do desemprego, da imigração ou do antieuropeísmo) que permitem antecipar que a guerra dos democratas na Europa contra as forças radicais será longa e dura.
Primeiro: a demografia. Em 2030 a Europa será o segundo bloco geográfico mais envelhecido do mundo, com uma média de idades de 43.9 anos e 22.3% da população com 65 ou mais anos. O problema só tende a piorar, desequilibrando os sistemas de providência europeus. Com o Estado a proteger menos e a deixar mais gente fora do sistema, o descontentamento sobe.
Segundo: o choque tecnológico. Donald Trump promete aos americanos “trazer os empregos de volta.” É pouco provável. Porquê? Porque esses empregos são assegurados por robôs e pela inteligência artificial, “uma força de trabalho virtual”. Quando os camiões autoguiados da Google invadirem as estradas americanas, ninguém sabe o que vai acontecer a 3.5 milhões de camionistas. Há empregos que não voltam, nunca mais. E há muita gente que vai ficar para trás.
Terceiro: o desencanto com a democracia. Um ensaio publicado em julho de 2016 pelo ‘Journal of Democracy’ traça um cenário perturbador de “desconsolidação” democrática. Nos EUA e Europa, só cerca de 30% dos cidadãos nascidos depois de 1980 consideram “essencial” viver em democracia. Ou seja, o sentimento antidemocrático é hoje mais violento nos jovens. Isto acontece porque, para muitos eleitores, a democracia passou a ser um meio e não um fim. O desapego ao regime tem consequências óbvias.
Quarto, o esvaziamento do centro e o discurso inócuo. A artilharia populista é pesada e poucos moderados têm coragem de sair das trincheiras para fazer a defesa da Europa, do mercado livre, da imigração ou da globalização. Muito pelo contrário, temos assistido a uma tentativa de ocupação dos extremos a partir do centro. Veja-se onde é que Sarkozy deixou os Republicanos para conter a Frente Nacional ou para onde migraram Hamon e o PSF para circunscrever a esquerda. Ou até para que terrenos foi Mark Rutte para esvaziar eleitorado de Geert Wilders. Por falar em Wilders, o homem está errado em muita coisa. Mas numa ele está certo: “o génio não vai voltar para a lâmpada”. Pelo menos, não para já.
Gonçalo Venâncio
Membro European Speechwriters Network